quinta-feira, 23 de abril de 2020

Sobre o filme «O Céu Gira» de Mercedes Álvarez, 2004.

















O filme começa com uma tela do pintor Pello Asketa onde se vêem duas crianças a espreitar para o fundo de um pântano. Buscam algo que lá se afundou ou esperam ver surgir alguma coisa. Assim também parte a realizadora para a aldeia dos seus pais e antepassados. Aldealseñor, Soria. 14 habitantes.

Perante uma réplica de triceratops, uma senhora mostra as pegadas e o túmulo de um pequeno dinossauro marcado na pedreira. Antes do Dilúvio. Um padeiro pode vir na segunda-feira. No palácio construído por escravos passeia o espírito de uma menina que não sabe rir. No cemitério recolhem-se a alma dos que ficam e a podridão dos que partem. Os castros dos celtibéricos, os povos que fugiram para Numancia, um dólmen, as terras dos romanos, os árabes. A morte do republicado de Magaña às mãos dos franquistas. Bush, Sadam e as armas; a chegada das eólicas e o palácio que vai ser transformado em hotel. Uma campanha eleitoral que perturba o sono e a oração. A eterna transformação sobre o silêncio da ausência. A morte do tio Eliseo. Um ulmeiro gigante que definha e retém, entre as raízes, caveiras humanas.

O pintor regressa mas está quase cego. Tacteia o ulmeiro seco, como tacteia a luz e as pinceladas impressionistas sobre as linhas a carvão sobre, talvez, a sua derradeira tela. Afinal, a morte é um regresso organizado com ajustes meticulosos contra o tempo, diz a realizadora. Mesmo a de uma aldeia deserta mas paciente que aguarda esse tempo.

jef, abril 2020

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