sábado, 4 de abril de 2020

A Sofia olha para as árvores
















A Sofia olha para as árvores

A Sofia gosta de olhar para as árvores. Não será bem assim, recomeço... A Sofia é uma rapariga que gosta de olhar pela janela e calcular a hora do dia quando este se reflecte nas folhas das árvores. Ou nos seus troncos, caso o Inverno já estiver a chegar pois as árvores são de folha caduca. Um renque de plátanos e, no fim do passeio, um choupo de folhas verdes e lustrosas, dessas, trementes, que o vento tenta afugentar.

Um dia vieram cortar o choupo deixando a Sofia mais pensativa que pesarosa. Aquela árvore, por ser única, era melhor relógio que os plátanos, espalhafatosos, impantes de tanto folhame, muito cascudos. Preferia que o Verão e o Inverno passassem pela ramaria singela do choupo do que constatá-los, agora, naquele vazio ofuscante. Pensava como seriam as estações se não existissem árvores e o olhar que sobre elas recaem, fazendo-as existir.

Mas certa manhã chegaram uns senhores de colete luminoso numa camioneta de caixa aberta, pá, sacos de terra e boa vontade, e plantaram um novo choupo, pequenino, no enorme espaço incompleto. Mas seria mesmo um choupo? Cá de cima não se via bem... A dúvida pouco a atormentou. Sofia foi buscar os óculos escuros, penteou-se, colocou um lenço colorido na cabeça e lançou uma azeitona verde sobre o martini bianco. Abriu então a janela para que a brisa entrasse em casa e sorriu. Agora sim, os anos podiam continuar a passar pelas folhas de longos pecíolos, muito verdes, lustrosas e, de novo, trementes.

jef, março 2020

* Perífrases e quarentena

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