quinta-feira, 2 de abril de 2020

Sobre o filme «O Rio Sagrado» de Jean Renoir, 1951
















«O rio corre
O mundo gira
Alvorada, crepúsculo
Meia-noite, meio-dia
Noite, estrelas, lua
O dia acaba
O fim começa»

Se há filme que me intriga, é este. Está-me gravado na memória desde novo quando o vi várias vezes na televisão, nunca entendendo por que um filme tão alegre era tão triste. A minha mãe gostava muito do filme e tentava explicar. Eu compreendia-a mas não entendia bem o filme. Só mais tarde li João Bénard da Costa nas folhas da cinemateca: «De The River se tem dito e redito que é o mais belo filme do mundo.». Agora, voltei a vê-lo, no remanso de uma quarentena forçada, talvez com a idade que a minha mãe teria naquela altura.

De facto, é um dos mais belos filmes de sempre.

Aquela família inglesa no meio populoso de Bengala, Índia, à beira do Ganges, talvez perto do seu delta, é estranha ao meio mas rodeia-se da tranquilidade do comércio da juta e do entusiasmo feliz das crianças e adolescentes. Até que chega o Capitão John a casa do vizinho, Mr. John, seu primo. A partir dali, a alegria de um sonho começa a transformar-se em realidade. Ou vice-versa. Afinal, talvez a ingénua realidade de um passado fosse melhor do que o sonho que o presente deixa imperfeito. Jean Renoir usa todos os seus dotes de mestre para nos fazer acreditar filosoficamente na verdade da estética, nessa realidade de que a vida, não sendo muito feliz, pode mesmo assim ser muito bela.

Este filme é uma ópera silenciosa, onde o coro de todos os bengalis que rodeiam a família se movimentam (ou dançam) para acentuar apenas esse princípio vital, essa máxima ecológica, que afirma que, apesar de não podermos fazer retroceder a Terra nas suas voltas em torno do Sol, apesar do primeiro amor ser enorme mas estar sempre condenado ao fracasso, apesar da morte, o dia seguinte traz o milagre do renascimento, também o do esquecimentos e as suas cicatrizes, fazendo-nos regressar à involuntária felicidade.

Sim, «O Rio Sagrado» é um dos mais belos filmes do mundo!

jef, abril 2020

«O Rio Sagrado» (The River) de Jean Renoir. Com  Nora Swinburne, Esmond Knight, Arthur Shields, Suprova Mukerjee, Thomas Breen, Patricia Walters, Radha Shri Ram, Adrienne Corri, Richard Foster, Nimai Barik, Penelope Wilkinson, June Tripp (narradora). Argumento: Rumer Godden e Jean Renoir a partir do romance de Rumer Godden. Fotografia: Claude Renoir. França / Índia / EUA, 1951, Cores, 96 min.

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