«O rio corre
O mundo gira
Alvorada, crepúsculo
Meia-noite, meio-dia
Noite, estrelas, lua
O dia acaba
O fim começa»
Se há filme que me intriga, é este. Está-me gravado na
memória desde novo quando o vi várias vezes na televisão, nunca entendendo por que
um filme tão alegre era tão triste. A minha mãe gostava muito do filme e
tentava explicar. Eu compreendia-a mas não entendia bem o filme. Só mais tarde
li João Bénard da Costa nas folhas da cinemateca: «De The River se tem dito e redito que é o mais belo filme do mundo.». Agora, voltei a vê-lo, no remanso de uma quarentena forçada, talvez com a idade
que a minha mãe teria naquela altura.
De facto, é um dos mais belos filmes de sempre.
Aquela família inglesa no meio populoso de Bengala, Índia, à
beira do Ganges, talvez perto do seu delta, é estranha ao meio mas rodeia-se da tranquilidade
do comércio da juta e do entusiasmo feliz das crianças e adolescentes. Até que
chega o Capitão John a casa do vizinho, Mr. John, seu primo. A partir dali, a
alegria de um sonho começa a transformar-se em realidade. Ou vice-versa. Afinal,
talvez a ingénua realidade de um passado fosse melhor do que o sonho que o
presente deixa imperfeito. Jean Renoir usa todos os seus dotes de mestre para
nos fazer acreditar filosoficamente na verdade da estética, nessa realidade de
que a vida, não sendo muito feliz, pode mesmo assim ser muito bela.
Este filme é uma ópera silenciosa, onde o coro de todos os
bengalis que rodeiam a família se movimentam (ou dançam) para acentuar apenas esse
princípio vital, essa máxima ecológica, que afirma que, apesar de não podermos
fazer retroceder a Terra nas suas voltas em torno do Sol, apesar do primeiro
amor ser enorme mas estar sempre condenado ao fracasso, apesar da morte, o dia
seguinte traz o milagre do renascimento, também o do esquecimentos e as suas
cicatrizes, fazendo-nos regressar à involuntária felicidade.
Sim, «O Rio Sagrado» é um dos mais belos filmes do mundo!
jef, abril 2020
«O Rio Sagrado» (The River) de Jean Renoir. Com Nora Swinburne, Esmond Knight, Arthur Shields, Suprova
Mukerjee, Thomas Breen, Patricia Walters, Radha Shri Ram, Adrienne Corri, Richard
Foster, Nimai Barik, Penelope Wilkinson, June Tripp (narradora). Argumento: Rumer Godden e Jean
Renoir a partir do romance de Rumer Godden. Fotografia: Claude Renoir. França /
Índia / EUA, 1951, Cores, 96 min.
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