Leonid Andréev não viveu muito (1871-1919) mas não parou de
escrever, de inconformar, de debater, contestar, intuir. Estes cinco contos-novelas
são exemplo dessa errância pelos temas mais profundos, pelos lemas mais íntimos
da humanidade. A revolta política, a luta armada e a revolução, o desajuste
social e urbano, a deriva psicológica e religiosa, a imaturidade e a procura
sexuais. Tudo está aqui. Cinco textos que parecem muito simples na sua irónica
asserção e franco desenvolvimento mas que logo derivam para uma inconclusão,
invariavelmente trágica. Uma escrita perfeita para confirmar a dúvida eterna.
Assim também foi a vida de ‘Bartleby’ de Melville, o quarto
de ‘Gregor Samsa’ de Kafka, a morte de ‘Ivan Iliitch’ de Tolstói, a ‘avenida
Névski’ de Gógol, a ‘velha’ de Daniil Harms…
Em Leonid Andréev não há mesmo possibilidade de fuga. Antes se apresenta como uma
revelação, ou até consumação através da arma e da bala, através da morte e do
acto sexual, através da remissão e entrega ao mundo paralelo da demência.
Aleksei, revolucionário anarquista, armado e perseguido, mas virgem, esconde-se no quarto de Liuba, dócil prostituta, mas delactora, a quem ele reafirma: “Não quero ser bom.”
Ou Judas de Queriote, ruivo e medonho, ser de duas caras, que
se imiscui entre os apóstolos, insinuando-se perante o insinuável e omnisciente
filho de Deus, vendendo Cristo a Anás por trinta dinheiros e dando-lhe o beijo
da guerra. Afinal, enforca-se pois, traidor traído, era de Judas Iscariotes que
o Nazareno necessitava para concluir com êxito a sua missão terrena.
Ou esse conto espantoso, em que o Governador luta contra a
inflamada memória de um lenço branco, por si agitado no ar, que fez os soldados
dispararem sobre a manifestação pacífica de famílias de operários famintos, matando perto
de cinquenta inocentes.
Ou na personificação do tédio absoluto que deixa Pável
paralisado no interior do seu quarto e este dentro de um universal Nevoeiro, amarelo e urbano. Ou na assunção de que os Fantasmas que se movem em torno de
Egor Pomerântsev naquele hospício psiquiátrico são mesmo as sombras reais de um mundo
real.
Aguardemos com ansiedade novas traduções e mais edições dos contos maravilhosos de Leonid Andréev.
jef, outubro 2020
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