quinta-feira, 29 de abril de 2021

Sobre o livro «O Imenso Adeus» de Raymond Chandler (1953), Livros do Brasil, Colecção Vampiro nova série #4, 2016. Tradução de Mário-Henrique Leiria.

 



«– O crime não é uma doença, é um sintoma. Os polícias são exactamente como os médicos que receitam aspirinas para um tumor cerebral. Excepto que muitos polícias prefeririam usar o cassetete. Nós somos uma nação grande, bruta, rica, um pouco louca, e o preço que pagamos por essas características é o crime. E se o crime se tornou organizado, isso é consequência da nossa mania de organização. Não vai desaparecer tão depressa. O crime organizado é o lado sujo do dólar.

– E qual é o lado limpo?

– Nunca o vi.»

Philip Marlowe é o detective privado de Raymond Chandler. Um homem de quarenta e tal anos, duro, firme, convicto, inteligente. Eternamente solitário, aguenta relativamente bem a bebida, o tabaco e as ressacas. Atrai os polícias maus os rufias bons, também as mais belas mulheres de Beverly Hills e Idle Valley. Tem uma intuição fulminante para identificar histórias mal contadas, facto que não o impede de tropeçar no seu próprio caminho. Um coração justo e nostálgico. Um sentimental.

Raymond Chandler faz o diagnóstico pormenorizado de uma nação através da descrição maravilhosa de Los Angeles e do vale da Califórnia, e muito pouco nos importará se todos se encontram ao virar de uma esquina, de um bar, de uma noite; se é fácil saltar um muro ou encontrar alguém através de uma lista infinda de moradas. Isso não interessa mesmo nada. Um bom livro policial é mesmo assim. Só que este é especial: a intriga é infinita, as reviravoltas prodigiosas, os diálogos ágeis e cheios de humor. Onde a lealdade é um princípio intocado.

Em Raymond Chandler a escrita corre por todos os interstícios da literatura de aventuras. Os percursos e as estradas são únicos. As descrições dos quartos e celas, das casas apalaçadas ou modernistas, do guarda-roupa e dos tiques dos personagens secundários, do olhar dos personagens principais são maravilhosas. As últimas frases são de antologia.

E mais nunca se pode revelar num romance policial.

Quero lá saber de cânones literários, críticos e recensões que ligam mais à conjuntura editorial que ao gosto mais genuíno da leitura. Prefiro, sem dúvida, a referência entusiástica que a grande mulher e magistrada Maria José Morgado faz a «O Imenso Adeus» num domingo, em certo programa televisivo.

jef, abril 2021

 

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