«–
O crime não é uma doença, é um sintoma. Os polícias são exactamente como os
médicos que receitam aspirinas para um tumor cerebral. Excepto que muitos
polícias prefeririam usar o cassetete. Nós somos uma nação grande, bruta, rica,
um pouco louca, e o preço que pagamos por essas características é o crime. E se
o crime se tornou organizado, isso é consequência da nossa mania de
organização. Não vai desaparecer tão depressa. O crime organizado é o lado sujo
do dólar.
–
E qual é o lado limpo?
–
Nunca o vi.»
Philip
Marlowe é o detective privado de Raymond Chandler. Um homem de quarenta e tal
anos, duro, firme, convicto, inteligente. Eternamente solitário, aguenta relativamente
bem a bebida, o tabaco e as ressacas. Atrai os polícias maus os rufias bons, também
as mais belas mulheres de Beverly Hills e Idle Valley. Tem uma intuição
fulminante para identificar histórias mal contadas, facto que não o impede de tropeçar
no seu próprio caminho. Um coração justo e nostálgico. Um sentimental.
Raymond
Chandler faz o diagnóstico pormenorizado de uma nação através da descrição
maravilhosa de Los Angeles e do vale da Califórnia, e muito pouco nos importará
se todos se encontram ao virar de uma esquina, de um bar, de uma noite; se é
fácil saltar um muro ou encontrar alguém através de uma lista infinda de
moradas. Isso não interessa mesmo nada. Um bom livro policial é mesmo assim. Só
que este é especial: a intriga é infinita, as reviravoltas prodigiosas, os
diálogos ágeis e cheios de humor. Onde a lealdade é um princípio intocado.
Em
Raymond Chandler a escrita corre por todos os interstícios da literatura de
aventuras. Os percursos e as estradas são únicos. As descrições dos quartos e
celas, das casas apalaçadas ou modernistas, do guarda-roupa e dos tiques dos
personagens secundários, do olhar dos personagens principais são maravilhosas. As
últimas frases são de antologia.
E
mais nunca se pode revelar num romance policial.
Quero
lá saber de cânones literários, críticos e recensões que ligam mais à
conjuntura editorial que ao gosto mais genuíno da leitura. Prefiro, sem dúvida,
a referência entusiástica que a grande mulher e magistrada Maria José Morgado
faz a «O Imenso Adeus» num domingo, em certo programa televisivo.
jef, abril 2021
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