«Mas,
passado o Caldeirão, é como se me tirassem uma carga dos ombros. Sinto-me
livre, aliviado e contente, eu que sou a tristeza em pessoa!»
Fala
agora dos Algarves o escritor, numa das pouco frequentes páginas joviais desta
espécie de ensaio sobre a geografia lírica de um País cristalizado. Entre o seu
Reino Maravilhoso (Trás-os-Montes), com o cerne em São Martinho de Anta, e a
província irmã, de fôlego e extensão do alento, o Alentejo, de planuras onde nasce
a fé e a esperança no destino nacional, Miguel Torga enfastia-se. Foge rápido
do Porto e apouca a Cidade dos Doutores, torcendo o nariz à prosa de Eça. Da
monotonia verde do Minho, da presunção dos beirões, da leviandade temporal de Lisboa vai um encolher de ombros. Fica-nos Sagres, cujo mar
anseia por separá-lo, em ímpeto de fraga, do continente. Resta-nos as Berlengas
que, essas sim, conseguiram afugentar-se-nos. Constrói-se, insatisfeita, a
Estremadura:
«E
porque foram os artistas os concretizadores e os teólogos da transcendência, é
que o jardim nacional dos criadores deveria estender-se de Mondego até ao Sado.
Os moinhos de vento, que polvilham luz nos outeiros, fingiriam ainda de
gigantes desbaratados nos sonhos quiméricos dos acuais Quixotes do granito. E
as Berlengas, imprecisas na sedução da bruma, seriam as ilhas da libertação
desses eternos insatisfeitos».
Esqueçamos
as Geografias de Portugal de Orlando Ribeiro e Suzanne Daveau; as Viagens de
Saramago; os Guias de escudo na capa verde da Gulbenkian; até as Mensagens
de Pessoa.
Este
é um texto lento e pesado, diria brumoso, sobre um território inquietante e
imutável, escrito de sobrolho franzido sobre papel áspero, repetindo o árduo
substantivo “granito” e levando sobre os ombros a canga de “telúrico”, por
adjectivo.
jef,
abril 2021
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