quarta-feira, 14 de abril de 2021

Sobre o livro «Portugal» de Miguel Torga (1950), Coimbra (6.ª edição) 1993








 











«Mas, passado o Caldeirão, é como se me tirassem uma carga dos ombros. Sinto-me livre, aliviado e contente, eu que sou a tristeza em pessoa!»

Fala agora dos Algarves o escritor, numa das pouco frequentes páginas joviais desta espécie de ensaio sobre a geografia lírica de um País cristalizado. Entre o seu Reino Maravilhoso (Trás-os-Montes), com o cerne em São Martinho de Anta, e a província irmã, de fôlego e extensão do alento, o Alentejo, de planuras onde nasce a fé e a esperança no destino nacional, Miguel Torga enfastia-se. Foge rápido do Porto e apouca a Cidade dos Doutores, torcendo o nariz à prosa de Eça. Da monotonia verde do Minho, da presunção dos beirões, da leviandade temporal de Lisboa vai um encolher de ombros. Fica-nos Sagres, cujo mar anseia por separá-lo, em ímpeto de fraga, do continente. Resta-nos as Berlengas que, essas sim, conseguiram afugentar-se-nos. Constrói-se, insatisfeita, a Estremadura:

«E porque foram os artistas os concretizadores e os teólogos da transcendência, é que o jardim nacional dos criadores deveria estender-se de Mondego até ao Sado. Os moinhos de vento, que polvilham luz nos outeiros, fingiriam ainda de gigantes desbaratados nos sonhos quiméricos dos acuais Quixotes do granito. E as Berlengas, imprecisas na sedução da bruma, seriam as ilhas da libertação desses eternos insatisfeitos».

Esqueçamos as Geografias de Portugal de Orlando Ribeiro e Suzanne Daveau; as Viagens de Saramago; os Guias de escudo na capa verde da Gulbenkian; até as Mensagens de Pessoa.

Este é um texto lento e pesado, diria brumoso, sobre um território inquietante e imutável, escrito de sobrolho franzido sobre papel áspero, repetindo o árduo substantivo “granito” e levando sobre os ombros a canga de “telúrico”, por adjectivo.


jef, abril 2021

 

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