quinta-feira, 22 de abril de 2021

Sobre o filme «Nomadland – Sobreviver na América» de Chloé Zhao, 2020.


 






















Uma actriz incomum (Frances McDormand) veste a pele, a carne e os ossos de Fern, a condutora de uma carrinha transformada em casa com rodas que percorre as estradas da América. Vai estacionando aqui e ali, onde a deixam pernoitar. Logo no início, afirma que não é uma “homeless” mas uma “houseless”. Por convicção, por princípio, por nomadismo. Por solidão. Parte da cidade “pré-fabricada” de Empire, no Nevada, após esta ser desmantelada por encerramento do seu coração fabril: o pladur para a construção. Parte algum tempo depois de ter enviuvado.

A história é apenas esta. E é imensa.

Nevada, Nebraska, Arizona, South Dakota, Califórnia... São milhares de quilómetros percorridos, de trabalho temporário em trabalho temporário, de estacionamento em estacionamento, aguardando o tempo e o espaço que o território outorga. O espectador vai seguindo-lhe a rota e vai percebendo o seu propósito documentarista ao reconhecer que muitos daqueles actores nómadas refazem afinal, na ficção filmada, a própria realidade, contando-nos histórias de um território agreste que aparentemente não suporta fronteiras.

São histórias comoventes que vêm de uma América laboral e emocionalmente dilacerada. É impossível o espectador ficar alheado daqueles rostos, daquelas rugas. É impossível não reconhecer que a realizadora Chloé Zhao entrega tudo a essas personagens maiores.

É impossível não ver em Frances McDormand o génio de uma actriz “sem máscara”, sobre um palco sem ribaltas ou bastidores.

Porém, no final, e na fórmula obrigada de colocar um fim explicativo e romântico ou uma conclusão redundante, o filme perde força política fazendo-o rolar numa certa monotonia narrativa. Mas não será por isso que nos alhearemos, ética e esteticamente, de um mundo que se aproxima de nós através do coração mais real da ficção.


 jef, abril 2021

«Nomadland – Sobreviver na América» de Chloé Zhao. Com Frances McDormand, David Strathairn, Linda May, Gay DeForest, Patricia Grier, Angela Reyes, Carl R. Hughes, Douglas G. Soul, Ryan Aquino, Teresa Buchanan, Karie Lynn McDermott Wilder, Brandy Wilber, Makenzie Etcheverry, Bob Wells, Annette Webb, Rachel Bannon, Peter Spears. Argumento de Chloé Zhao baseado no livro de Jessica Bruder. Fotografia: Joshua James Richards. Música: Ludovico Einaudi. EUA, 2020, Cores, 107 min.

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