quinta-feira, 1 de abril de 2021

Sobre o livro «A Um Deus Desconhecido» de John Steinbeck (1933), Livros do Brasil, Col. Miniatura, nova série #3, 2017. Tradução de Samuel Soares.








 







«Suportarei até um pouco de desconforto para preservar esta ordem que principiou a existir por acidente. Será uma pena destruí-la. Mas o mundo que encabeçava estava cansado de ficar sentado na mesma posição. Movia-se, subitamente, e as casas ruíam, as montanhas curvavam-se horrivelmente e todo o trabalho de um milhão de anos se perdia.

As dimensões alteravam-se, o tempo modificava-se.»

 

Esta é a história de Joseph e do clã Wayne, criadores de gado, que ele arrasta até Oeste, à densa orografia da prometida Califórnia, em busca de uma terra que os acolha. Um cenário de florestas, encostas, vales encaixados, nascentes e rios, à beira do Pacífico. Entre Salinas e Monterey, lugares de Steinbeck.

Mas não é um verdadeiro western de cowboys solitários, apesar de o serem. É uma história densa, frustrada, de quem caminha em busca da função da terra e do lugar onde esta retém a semente da espiritualidade. A espiritualidade pagã, ligada à água, ao Sol, ao voo do milhafre, ao presságio, à premonição. Uma história que descreve a capacidade que uma determinada região geográfica e edafo-climática, feita de extremos, tem de se afastar da ideia de Deus. Terra que gera animais, muitos animais, e também homens, para os fazer crescer e depois os sacrificar e enterrar, obrigando a circular o bem precioso dos nutrientes em torno da luz agreste e da água escassa. Da solidão profunda. Contudo, esta não é uma história “Papalagui”.

É uma história feita da atracção pela terra e da quase abulia de Joseph Wayne perante os seres vivos, cristalizada no deslumbramento amoroso ou no tédio nevrótico. Via dolorosa, quase penosa, que sugere o enorme sacrifício, mesmo tensão, sofridos por quem a escreveu, quase de modo programático. O escritor que vai deixando passar uma ansiedade pouco comum por ultrapassar, anulando, cada um dos momentos emocionalmente mais intensos para chegar, por fim, às diversas estações da espiritualidade pré-deífica. A via de renascimento, combate e morte no seio de uma natureza eternamente impune. Um texto agreste, nada ajudado por uma tradução que deixa o leitor, por vezes, à beira de um sorriso irónico.

Uma história de montanhas e pradarias, pessoas e bichos, tendo por centro um Deus sem matriz.

 

Nota. Em arrumos de estante e poeira de livros fui descobrir uma outra edição de bolso, velhinha, vinda da Editorial Gleba e integrada na famosa colecção “os livros das três abelhas”, dirigida por Victor Palla e Aurélio Cruz.

 

jef, março 2021

 

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