«Suportarei até um pouco de desconforto para
preservar esta ordem que principiou a existir por acidente. Será uma pena
destruí-la. Mas o mundo que encabeçava estava cansado de ficar sentado na
mesma posição. Movia-se, subitamente, e as casas ruíam, as montanhas
curvavam-se horrivelmente e todo o trabalho de um milhão de anos se perdia.
As
dimensões alteravam-se, o tempo modificava-se.»
Esta
é a história de Joseph e do clã Wayne, criadores de gado, que ele arrasta até
Oeste, à densa orografia da prometida Califórnia, em busca de uma terra que os
acolha. Um cenário de florestas, encostas, vales encaixados, nascentes e rios,
à beira do Pacífico. Entre Salinas e Monterey, lugares de Steinbeck.
Mas
não é um verdadeiro western de
cowboys solitários, apesar de o serem. É uma história densa, frustrada, de quem
caminha em busca da função da terra e do lugar onde esta retém a semente da
espiritualidade. A espiritualidade pagã, ligada à água, ao Sol, ao voo do
milhafre, ao presságio, à premonição. Uma história que descreve a capacidade que
uma determinada região geográfica e edafo-climática, feita de extremos, tem de
se afastar da ideia de Deus. Terra que gera animais, muitos animais, e também homens,
para os fazer crescer e depois os sacrificar e enterrar, obrigando a circular o
bem precioso dos nutrientes em torno da luz agreste e da água escassa. Da
solidão profunda. Contudo, esta não é uma história “Papalagui”.
É
uma história feita da atracção pela terra e da quase abulia de Joseph Wayne
perante os seres vivos, cristalizada no deslumbramento amoroso ou no tédio
nevrótico. Via dolorosa, quase penosa, que sugere o enorme sacrifício, mesmo
tensão, sofridos por quem a escreveu, quase de modo programático. O escritor que
vai deixando passar uma ansiedade pouco comum por ultrapassar, anulando, cada um
dos momentos emocionalmente mais intensos para chegar, por fim, às diversas
estações da espiritualidade pré-deífica. A via de renascimento, combate e morte
no seio de uma natureza eternamente impune. Um texto agreste, nada ajudado por
uma tradução que deixa o leitor, por vezes, à beira de um sorriso irónico.
Uma
história de montanhas e pradarias, pessoas e bichos, tendo por centro um Deus sem
matriz.
Nota.
Em arrumos de estante e poeira de livros fui descobrir uma outra edição de
bolso, velhinha, vinda da Editorial Gleba e integrada na famosa colecção “os
livros das três abelhas”, dirigida por Victor Palla e Aurélio Cruz.
jef,
março 2021
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