Oito contos cada qual singrando por caminhos distintos, duplos, talvez
anacrónicos. Através deles as personagens multiplicam-se e as vozes misturam-se
e vagueiam por diversos cenários, paisagens, épocas, confrontos inconclusivos.
Porém, a morte, tal como a perda ou a separação, mesmo o esquecimento, são aqui
servidos como pratos frios e fortes numa estratégia onde o diálogo se coloca na
frente de um espelho facetado ou é visto como fractal visual, feérico e
cinematográfico.
Pelo
meio está «A Menina Cora» onde todas as palavras e silêncios ditos se
estabelecem em simultâneo, acompanhando o internamento do jovem Pablo
envergonhadamente apaixonado pela enfermeira que lhe tira a febre ou lhe passa
a mão pelo rosto.
Também
o allegro e o adagio do quarteto de cordas de Mozart, «A Caça» (KV 458), vem
explicar o reencontro ansiado dos guerrilheiros que subiram do pântano ameaçado
até às colinas protegidas da montanha. «Reunião».
Ou
a vibrante distopia automobilística inicial, «A Autoestrada do Sul» em jeito de
vigília fahrenheit 451.
Ou,
mais no final, titular, no qual o fogo cruzado é dado a beber a todos os
protagonistas, quer seja o procônsul que antes oferece a Irene, sua mulher, a
taça com o sangue de Marco, seu amante, cruzando-se com um diferente triângulo
cujo final é anunciado pelo som do riscar de um fósforo ouvido ao telefone pela
amante preterida. A Voz Humana.
«Todos
os Fogos o Fogo» é um belíssimo livro em que a comédia e a tragédia se
interceptam apanhando o leitor sem aviso. Um prodígio de narração “coral”
onde a beleza imaginativa da descrição apenas solidifica a capacidade que o
autor tem em sobrepor os diferentes naipes de vozes e de tempos inconciliáveis.
jef,
dezembro 2021
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