sexta-feira, 31 de dezembro de 2021

Sobre o livro «Vírus» de André Ruivo. Xerefé Edições, 2021




































«O autor, aqui como sempre, conta histórias de pessoas normais: dele mesmo, da sua família, da burguesia satisfeita e melancólica, das cidades e das vilórias, gente tristonha e simples, saudosa e esperançosa ao mesmo tempo; histórias de pessoas que vivem apaixonadas ou em solidão, que sonham sem risco e desesperam devagar,…»

Assim começa a apresentação de João Pinharanda “O Humor Contagiante”. O texto do “crítico contaminado”, escrito por três páginas em letras maravilhosamente garrafais, resume de modo definitivo o que este livro é. Muito simples ou muito complexo, são duzentos desenhos perdidos entre o preto e branco e as cores exorbitantes que contam em duzentas páginas duzentas histórias de um convívio brutal entre humanos e o vírus inusitado. O humor é contagiante e a melancolia e a solidão surgem como aquelas folhas de papel de seda translúcidas que antecediam cada página dos antigos álbuns de fotografia.

E o que é surpreendente, para além do prazer directo de folhear um amplo álbum de desenhos A4 como fazíamos em crianças com os grandes livros para colorir, é o facto muito verdadeiro de André Ruivo ilustrar-se a si próprio e ao seu meio mais ternamente circunscrito, transferindo (ou decalcando) esses sentimentos gráficos para a emoção exterior (também gráfica) por que passou cada um dos leitores nestes quase dois anos de virulento anti-convívio.

Dos iniciáticos livros do autor, «Sleuth Hound Song» (1998), «Bug» (2000) ou «Mystery Park» (2012) foram desaparecendo os riscos assintomáticos, os vértices do confronto, os ângulos agudos de uma abstracção angustiada. As linhas curvas adoçaram os movimentos das personagens, o olhar enquadra-se no carinho de pequenos círculos cómicos. A raiva é passageira, benévola, dá vontade de rir; a melancolia torna-se circunstancial e passageira; o amor e a ternura parecem rodear cada um deles e, logo, repito, cada um de nós.

Tal como no Menino Nicolau de Sempé, na Mafalda de Quino, no Quim e no Manecas de Stuart Carvalhais, no Bartoon de Luís Afonso, André Ruivo recria-se a si próprio, apresentando-se frente ao leitor com o mais amável espelho. E nós rimo-nos de nós próprios.

Um dos melhores livros gráficos publicados em 2021! Viva 2022!


jef, dezembro 2021

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