[É bom não esquecer épocas, não esquecer histórias, não
esquecer livros inesquecíveis. Não esquecer a nossa própria história. Eram
dias cinzentos, de eleições europeias... Março de 2014.]
As lágrimas das coisas.
Neste tempo de carnavais tristes, muita chuva, orelhas moucas
e falas curtas, termino a leitura de Edmund de Waal. Um livro que, certo dia,
Rui Cardoso Martins me instigou a ler. Respiro fundo, o silêncio incha, releio
as últimas páginas e digo para mim próprio que nunca o esquecerei. Há livros
assim, que pedem mais de nós, mais consciência, mais tempo. Lágrimas também. Revejo
as ilustrações que acompanham o decorrer dos capítulos e pergunto-me como é
possível estar de novo a ler a mesma história. Estar de novo sem entender como
é possível aquela lógica. Penso no presente e não no passado, ao dar conta de
umas eleições europeias, muito próximas, agitadas por Marines Le Pens a
ocidente, Auroras Douradas mais a leste, e pelo meio…
No final do livro, Viktor Ephrussi conta aos netos como
Eneias chora ao ver retratada nas paredes de Cartago a perda irrecuperável da
sua Troia. «Sunt lacrimae rerum», as lágrimas das coisas. Agora está refugiada
em Inglaterra a velha colecção das 264 figurinhas japonesas em marfim e madeira
polidos, meio-talismã, meio-berloque, meio-brinquedo – os netsuke –. Fora
(dentro) da sua história natural, distante da sua identidade, sacada da sua
casa, da sua vitrine.
Esta é a história de pequenos objectos tácteis, mas é sempre
a mesma história, aquela contada de cor por Stefan Zweig, longe da pátria e das
estantes; aquela que Amos Oz conta, também ela ilustrada por uma simples
fotografia a meio de um livro de amor e de trevas. Edmund de Waal conta-nos como
o tacto e a pele e os músculos podem sentir o esplendor e o estupor, a
suavidade e a rugosidade de objectos que fazem parte da História da Arte e da
Iniquidade Humanas.
Desta história irrecuperável não podemos escapar. O melhor é
voltar a lê-la.
jef, março 2014 / outubro 2016
«O Mundo de Ontem» de Stefan Sweig, Civilização 1953
«Uma História de Amor e Trevas» de Amos Oz, Asa 2007
Sem comentários:
Enviar um comentário