Ora aqui está o filme certo, na hora certa.
A história vem de José Cardoso Pires (editada
em 2008), que este ano comemora os 100 anos do seu nascimento. O argumento é
uma das últimas ideias de António-Pedro Vasconcelos para o cinema. A fotografia
do filme vem do próprio realizador, Mário Barroso. Um mestre fotógrafo, sem a mínima
dúvida. Também um filme que recorda que o fascismo não foi flor que se cheire e
muitos sofreram e morreram para nos dar hoje um regime democrático que
permite a fascistas candidatarem-se a eleições livres, tecendo loas à repressão das ideias próprias. Nesse sentido, este filme devia ser levado a escolas,
cineclubes e sociedades recreativas por todo este sacrossanto Portugal.
O
filme é uma terna devoção dentro da resistência anti-fascista, dentro da
opressão de um regime violento. Será que todo o sacrifício possui justificação,
tanto na política como no amor? Por que pairam sobre o filme as áreas de «Tosca»
de Puccini? Uma ópera estreada em período de revolução política em Itália e que
conta a história de alguém que se entrega ao carrasco para salvar o amado mas
acaba por ser enganada também por aquele.
Um
ambiente recriado pela magnífica fotografia de Mário Barroso que dá a densidade certa a ambientes
e personagens, à luz no preto e branco, à névoa sobre a serra da Arrábida, ao
nevoeiro das salas enfumaradas da redacção dos jornais e de cafés. Transmite-lhes o necessário
toque claustrofóbico e luminoso a uma verdade encenada que,
ao mesmo tempo, é realisticamente dramática. A ópera, de novo.
A
actriz Júlia Palha (Cecília) ilumina o ecrã com uma deslumbrante fotogenia ‘Cahiers
du Cinéma’, muito bem secundada pela rivalidade que Sara (Leonor Alecrim) reprime
pelo médico Daniel (Francisco Froes). A completar o quarteto está o jornalista
resistente José (Nuno Lopes) que, como a força da razão, faz um coro solo a proclamar a
verdade sobre as emoções. Por fim, o carrasco, esse lavagante, segundo a metáfora, que faz engordar o safio para o aprisionar e, depois, melhor lhe saborear a carne – o inspector
da PIDE Salaviza (Diogo Infante).
Um filme a não perder, por todas as razões e mais alguma.
jef,
outubro 2025
«Lavagante»
de Mário Barroso. Com Francisco Froes, Nuno Lopes, Júlia Palha, Leonor Alecrim,
Diogo Infante, Rui Morisson. Argumento: António-Pedro Vasconcelos livremente
adaptado da obra homónima de José Cardoso Pires. Produção: Paulo Branco / Leopardo Filmes. Fotografia:
Mário Barroso. Música: Mário Laginha. Decoração: Paula Szabo.
Guarda-roupa: Lucha d'Orey. Portugal, 2025, P/B, 92 min.
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