quarta-feira, 15 de outubro de 2025

Sobre o filme «Lavagante» de Mário Barroso, 2025





















Ora aqui está o filme certo, na hora certa. 

A história vem de José Cardoso Pires (editada em 2008), que este ano comemora os 100 anos do seu nascimento. O argumento é uma das últimas ideias de António-Pedro Vasconcelos para o cinema. A fotografia do filme vem do próprio realizador, Mário Barroso. Um mestre fotógrafo, sem a mínima dúvida. Também um filme que recorda que o fascismo não foi flor que se cheire e muitos sofreram e morreram para nos dar hoje um regime democrático que permite a fascistas candidatarem-se a eleições livres, tecendo loas à repressão das ideias próprias. Nesse sentido, este filme devia ser levado a escolas, cineclubes e sociedades recreativas por todo este sacrossanto Portugal.

O filme é uma terna devoção dentro da resistência anti-fascista, dentro da opressão de um regime violento. Será que todo o sacrifício possui justificação, tanto na política como no amor? Por que pairam sobre o filme as áreas de «Tosca» de Puccini? Uma ópera estreada em período de revolução política em Itália e que conta a história de alguém que se entrega ao carrasco para salvar o amado mas acaba por ser enganada também por aquele.

Um ambiente recriado pela magnífica fotografia de Mário Barroso que dá a densidade certa a ambientes e personagens, à luz no preto e branco, à névoa sobre a serra da Arrábida, ao nevoeiro das salas enfumaradas da redacção dos jornais e de cafés. Transmite-lhes o necessário toque claustrofóbico e luminoso a uma verdade encenada que, ao mesmo tempo, é realisticamente dramática. A ópera, de novo.

A actriz Júlia Palha (Cecília) ilumina o ecrã com uma deslumbrante fotogenia ‘Cahiers du Cinéma’, muito bem secundada pela rivalidade que Sara (Leonor Alecrim) reprime pelo médico Daniel (Francisco Froes). A completar o quarteto está o jornalista resistente José (Nuno Lopes) que, como a força da razão, faz um coro solo a proclamar a verdade sobre as emoções. Por fim, o carrasco, esse lavagante, segundo a metáfora, que faz engordar o safio para o aprisionar e, depois, melhor lhe saborear a carne – o inspector da PIDE Salaviza (Diogo Infante).

Um filme a não perder, por todas as razões e mais alguma.


jef, outubro 2025

«Lavagante» de Mário Barroso. Com Francisco Froes, Nuno Lopes, Júlia Palha, Leonor Alecrim, Diogo Infante, Rui Morisson. Argumento: António-Pedro Vasconcelos livremente adaptado da obra homónima de José Cardoso Pires. Produção: Paulo Branco / Leopardo Filmes. Fotografia: Mário Barroso. Música: Mário Laginha. Decoração: Paula Szabo. Guarda-roupa: Lucha d'Orey. Portugal, 2025, P/B, 92 min.



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