terça-feira, 2 de novembro de 2021

Sobre o filme «Noites de Lua Cheia» de Éric Rohmer, 1984
























«Quem tem duas mulheres perde a alma, quem tem duas casas perde a razão», parece perorar o coro grego ou, do alto da dramaturgia, o deus ex machina chamado Éric Rohmer. Um facto é que nunca mais esqueci tal máxima e também o respectivo filme quando o vi em estreia na sala de cinema.

Na facilidade de contar uma história que até parece nem ser uma história vai costurando recados, frases, truques de narrativa, entre o vai e vem das personagens. Aqui, a figura feminina de Rohmer é Louise (Pascale Ogier) que avança na sua certeza teimosa de amar sem prisões, de ter um amigo confidente, Octave (Fabrice Luchini), viver nos arredores com o companheiro Rémi (Tchéky Karyo), decorar um estúdio em Paris onde pernoita quando perde o último comboio. Louise deseja usufruir da solidão e encontrar-se com o mundo que só a ela pertence. Digamos que a insatisfação Louise é a contrária da insatisfação de Delphine em «O Raio Verde» (1986). Louise quer reencontrar-se na solidão mantendo-se dentro do mundo, enquanto Delphine quer erradicar a solidão demostrando ao mundo que esta não é o cerne do problema.

Contudo a cidade de Paris não é uma aldeia assim tão grande e os seus caminhos podem ser muito mais simples e directos do que aparentam. Se o choro de Delphine em «O Raio Verde» é um lamento pelo desajustado universo em seu redor, as lágrimas de Louise em «Noites de Lua Cheia» são de pura melancolia pela constatação do seu próprio desalinhamento face ao dos restantes planetas.

Éric Rohmer, um mestre em contar histórias com um pudor despudorado pela intimidade das personagens que se atrevem a entrar nos seus argumentos.


jef, outubro 2021

«Noites de Lua Cheia» (Les Nuits de la Pleine Lune) de Éric Rohmer. Com Pascale Ogier, Tchéky Karyo, Fabrice Luchini, Virginie Thévenet, Christian Vadim, László Szabó, Lisa Garneri, Mathieu Schiffman, Anne-Séverine Liotard, Hervé Grandsart. Argumento: Éric Rohmer. Produção: Margaret Ménégoz. Fotografia: Renato Berta. Música: Jacno Elli Medeiros. França, 1984, Cores, 101 min.

 

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