Esta comédia (ou provérbio) retira de Rimbaud o apelo ‘aos tempos em que os corações se incendeiam’. Invoca o romance de Júlio Verne onde os desejos de encantamento ficam suspensos na refracção da luz branca ao pôr-do-sol.
Delphine
é Marie Rivière e Marie Rivière ajuda Éric Rohmer no guião, fazendo com que a
câmara a siga nesse desespero de solidão que surge invariavelmente no
despovoamento da cidade que foge para o calor do Verão (e o imaginado princípio
alegre das férias se desmorona). Quando Delphine perde a companhia para a planeada
viagem ao Mediterrâneo cai em si. Verifica que está só. Ou que talvez prefira ficar
só do que mal acompanhada pois o que ela procura é muito mais íntimo do que
apenas uma ida à praia, um refresco e um namorado de veraneio. Delphine sente
que a idade adulta está a chegar. Ou já chegou e ninguém à sua volta entende o
direito que sente à própria solidão, à espera, à sua escolha. Ela precisa de mais,
de muito mais, certamente uma coisa em grande, qualquer coisa definitiva.
Qualquer coisa que só a refracção e o espectro da luz solar no ocaso lhe pode
devolver através da cor que a persegue e lhe estimula a vocação de futuro.
O verde.
Éric
Rohmer sabe mesmo contar histórias que nem histórias parecem ser. O realizador reconhece
o étimo da narrativa e a íntima fracção que define, de modo radical, o coração
humano.
jef, outubro 2021
«O Raio Verde» (Le Rayon Vert) de Éric Rohmer. Com Marie Rivière, María
Luisa García, Béatrice Romand, Vincent Gauthier. Amira Chemakhi, Sylvie Richez,
Basile Gervaise, Eric Hamm, Rosette. Argumento: Éric Rohmer e Marie
Rivière. Produção: Margaret Ménégoz. Fotografia: Sophie Maintigneux. Música: Jean-Louis
Valéro. França, 1986, Cores, 99 min.
Sem comentários:
Enviar um comentário