domingo, 10 de novembro de 2024

Sobre o livro «Estilhaços» de Bret Easton Ellis, Asa, 2023. Tradução de Elsa T.S. Vieira


 









Este é um romance desabrido. Sem paninhos quentes ou rodriguinhos que facilitem a vida ao leitor. Uma espécie de livro policial ou de suspense ou thriller que fica suspenso entre a realidade e a vocação literária de alterar a realidade para melhor a fixar, melhor, para a alterar e assim ficar mais compreensível, mais dura, ou mais ficcional.

Califórnia, Los Angeles, colégio Buckley, 1981. O finalista Bret Ellis tem 17 anos e anda a escrever o seu primeiro romance «Menos que Zero». Ele e os colegas vivem em grupo, numa "bolha", a amizade protege-os no conforto da abundância e na independência e distanciamento familiares. O dinheiro, o sexo e as drogas não parecem ser problema no interior do luxo e da luminosidade de Los Angeles. As cassetes com as novidades discográficas e os teatros exibindo no grande ecrã os êxitos cinematográficos fazem de banda sonora e banda visual para o dia a dia daqueles adolescentes que ainda não estão preparados para enfrentar a visão adulta do mundo ou perder a alheada inocência que teimam em praticar. De «Shining» de Stanley Kubrick (1980) a «Icehouse» (1981). Apenas a homossexualidade vai ficando, oculta mas usufruída, suspensa na moldura do quadro do privilégio de uma sociedade. Até que, no último ano de liceu, é transferido um novo aluno, misterioso e atraente, no mesmo momento em que dá alvíssaras a actividade criminosa de um grupo que se aproxima, rondando, com uma série tenebrosa de assassinatos.

Em «Estilhaços» não existe contemplações com as narrativas sobre o sexo, as drogas e os cadáveres doa animais, ou com as descrições pormenorizadas das cores, das roupas, dos ambientes, das mansões e piscinas particulares, da geografia da costa californiana. Também do horror. Verdade ou simulacro literário?

Um quase diário sobre a especulação artística numa atmosfera que talvez já tenhamos vislumbrado com os livros de Raymond Chandler. Ou com «Mulholland Drive» (David Lynch, 2021) ou «Era Uma Vez Em... Hollywood» (Quentin Tarantino, 2019). Só que neste "filme" existe uma nova definição para a literatura de entretenimento e horror.

Silêncio e Mentira e Torpor e Medo são os substantivos que suportam esta narrativa imparável com uma estrutura exegética construída em finíssima minúcia.

Quem não se sentir tocado por estes substantivos adjectivados e continuar a dormir descansado depois da leitura de «Estilhaços» de Bret Easton Ellis já terá vendido o coração ao diabo.


jef, novembro 2024

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