sábado, 9 de novembro de 2024

Sobre a peça «Macbeth - A Peça Escocesa» de Manuel Jerónimo, a partir de William Shakespeare. Boutique da Cultura, 2024


 




























Uma peça amaldiçoada, por feminista. Lady Macbeth é mais famosa e engenhosa que o próprio Macbeth. Macbeth, pasto de visões e dúvidas, de bruxedos e ambições alheias, bons presságios que se tornam maus agoiros por deficiente interpretação, ventres defuntos que dão à luz nados vivos. E, contudo, as florestas movem-se, assim diz Shakespeare, eternamente plagiado por Orson Welles (1948) ou Akira Kurosawa («O Trono de Sangue» 1957) . Ou por Manuel Jerónimo…

O problema é que, agora, quase toda a intriga (e sanguinárias facadas) se move por cima de um balcão de haut cuisine ou, mais correctamente, por baixo do citado balcão. Onde permanecem os cinco actores transferindo a ansiedade psicológica ou o desvario psicopata da tragédia para uma tresloucada comédia cumprida sob a nevrótica paranoia das hauts cuisines televisivas.

E como é excelente Manuel Jerónimo a avisar que os espectadores vão estar sob vigilância de diabólicos prenúncios e que não devem sequer mencionar esse nome proibido. E como a plateia fica a rodear de modo acolhedor, íntimo, quase cúmplice, o palco de toda a trágica manipulação.

E como os cinco actores cumprem sem parar, numa velocidade para além do cruzeiro, todos os vaticínios sanguinolentos tendo nas mãos apenas a sua perfeita veia cómica e meia dúzia de tachos e frigideiras, uma ou duas facas que parecem dezenas, um ou dois tomates, (um pepino, claro!) e meia dúzia de tartes de natas à boa maneira da ancestral comédia vaudeville de Hollywood.

A encenação, os elementos cenográficos, o diálogo e a transposição dos personagens de tragédia para comédia numa movimentação de cena radical feita em poucos metros quadrados, fazem daqueles actores como que extraordinárias marionetas, ao mesmo tempo suspensas e escondidas.

Um exemplo de como hoje em dia o teatro em Portugal se move por óptimas águas, claras, inteligentes e populares.


jef, 7 de novembro de 2024


«Macbeth - A Peça Escocesa» Texto e encenação: Manuel Jerónimo, a partir de William Shakespeare. Direcção Artística: João Borges de Oliveira. Com Ana Isabel Sousa (Bruxa(s) / Lady Macbeth), Bruno Realista (Banquo / Donalbain, filho mais novo de Duncan), David Correia (Macbeth), Fernanda Paulo (Duncan, Rei da Escócia / Assassino) e Gonçalo Sítima (Malcolm, filho mais velho de Duncan /Assassino). Cenografia: Silveira Cabral. Desenho de Luz e Operação Técnica: Tiago Santos. Produção: Boutique da Cultura. 75 minutos.

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