Uma
peça amaldiçoada, por feminista. Lady Macbeth é mais famosa e engenhosa que o
próprio Macbeth. Macbeth, pasto de visões e dúvidas, de bruxedos e ambições alheias,
bons presságios que se tornam maus agoiros por deficiente interpretação,
ventres defuntos que dão à luz nados vivos. E, contudo, as florestas movem-se,
assim diz Shakespeare, eternamente plagiado por Orson Welles (1948) ou Akira
Kurosawa («O Trono de Sangue» 1957) . Ou por Manuel Jerónimo…
O
problema é que, agora, quase toda a intriga (e sanguinárias facadas) se move por cima de um balcão de haut cuisine ou,
mais correctamente, por baixo do citado balcão. Onde permanecem os cinco
actores transferindo a ansiedade psicológica ou o desvario psicopata da tragédia para uma tresloucada comédia cumprida sob a nevrótica paranoia das hauts cuisines televisivas.
E
como é excelente Manuel Jerónimo a avisar que os espectadores vão estar sob vigilância de diabólicos prenúncios e que não devem sequer mencionar esse nome
proibido. E como a plateia fica a rodear de modo acolhedor, íntimo, quase
cúmplice, o palco de toda a trágica manipulação.
E
como os cinco actores cumprem sem parar, numa velocidade para além do cruzeiro,
todos os vaticínios sanguinolentos tendo nas mãos apenas a sua perfeita veia
cómica e meia dúzia de tachos e frigideiras, uma ou duas facas que parecem dezenas,
um ou dois tomates, (um pepino, claro!) e meia dúzia de tartes de natas à boa
maneira da ancestral comédia vaudeville
de Hollywood.
A
encenação, os elementos cenográficos, o diálogo e a transposição dos
personagens de tragédia para comédia numa movimentação de cena radical feita
em poucos metros quadrados, fazem daqueles actores como que extraordinárias marionetas,
ao mesmo tempo suspensas e escondidas.
Um
exemplo de como hoje em dia o teatro em Portugal se move por óptimas águas,
claras, inteligentes e populares.
jef,
7 de novembro de 2024
«Macbeth
- A Peça Escocesa» Texto e encenação: Manuel Jerónimo, a partir de William
Shakespeare. Direcção Artística: João Borges de Oliveira. Com Ana Isabel Sousa
(Bruxa(s) / Lady Macbeth), Bruno Realista (Banquo / Donalbain, filho mais novo de
Duncan), David Correia (Macbeth), Fernanda Paulo (Duncan, Rei da Escócia /
Assassino) e Gonçalo Sítima (Malcolm, filho mais velho de Duncan /Assassino).
Cenografia: Silveira Cabral. Desenho de Luz e Operação Técnica: Tiago Santos.
Produção: Boutique da Cultura. 75 minutos.
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