domingo, 31 de agosto de 2025

 









Os Superviventes

 

«Pré-Histórias» é um caso muito sério da música popular portuguesa. E não será apenas por conter um conjunto inesquecível de canções. O álbum que Sérgio Godinho editou em 1972 encerra um fascínio peculiar, emite uma felicidade vindoura, transborda de juventude, solidária e contagiante. Apela à Democracia e à Liberdade.

Mas também não será apenas por isso… «Pré-Histórias» sucede sorridente a um álbum de estreia muito particular «Os Sobreviventes» (1971), que nunca temeu o brilho das duas obras-primas editadas antes, «Cantigas do Maio» de José Afonso e «Mudam-se os Tempos de José Mário Branco.

Mais, Sérgio Godinho afasta-se da circunspecta tradição da balada de Coimbra ou do fado de Lisboa e leva-nos até à jovialidade do rock ou do samba, embrulhando tudo numa teia musical complexa, de aparência simples e popular.

Ou seja, em vez de cantar o fim de uma ditadura, ele prefere anunciar o canto de uma nova ordem, alegre e democrática. Assim é o começo com o estranho “Barnabé”, que é diferente de todos os demais, e o final feliz com a chegada de “O Homem dos 7 Instrumentos”. Mas não se fica por aí, rejeita a poesia erudita e distante, cita um dos grandes poetas da palavra insólita – Alexandre O’Neill – e canta “o medo de ter medo” e o Porto surrealista. Mais, aqui o amor revela-se destemido, lúdico e sensual, “A Noite Passada”, mas também ferido, desesperado e lutador, “Aprendi a Amar”.

Um disco clarividente, onde a juventude, a velhice e o amor à liberdade de viver misturam-se num caos cheio de luminosidade e esperança. Se estas canções resultaram em «Pré-Histórias» foi, sem dúvida, por serem tão verídicas e fundamentais quanto a alegria e a razão que levaram à sua criação.

Um álbum para uma colecção muito restricta.

p.s. lembro-me quando os meus tios me deram o álbum acabado de sair, pelos meus anos, 14 diga-se, e que o ouvi ininterruptamente, como um disco alegríssimo para crianças que suspeitavam que iriam crescer em liberdade!


«Pré-Histórias» de Sérgio Godinho, Guilda da Música / Sasseti, 1972

Março de 1998

jef

 

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