terça-feira, 21 de abril de 2015

Sobre o filme «Índia» (1957-1959) de Roberto Rossellini


 

Que realidade é esta?

Intriga-me o facto de os espectadores entrarem numa sala de cinema e não desligarem os telemóveis. Quando a sala se enche e não são apenas dois ou três enormes écrans luminosos a saltar aos olhos da escuridão ou toques harmoniosos a roubar o silêncio, quando são mesmo conversas que usurpam a fantasia de uma obra de arte, essa intriga torna-se descomunal. Então quando a situação se desenrola à frente de «Índia» de Roberto Rossellini, a minha estranheza passa a questionar o desassombro e até o escândalo.

Os espectadores, hoje, não conseguem desligar-se da realidade virtual que têm dentro de um telemóvel para se entregarem, diria para se devotarem, à realidade real de um filme que se projecta, ali e nesse instante. Apenas 95 minutos de encantada realidade daquela Índia. Entenderão o génio dos planos longos sobre animais, pessoas, rios e monumentos? O Tempo reinventado possibilitando a reflexão lenta sobre um país múltiplo, uma morte no calor, um voo de abutre? Perceberão a câmara asinha e em constante movimento que nos leva sempre atrás de uma história «falsa»? Terão Tempo, esses espectadores virtuais e apressados, para contemplarem a encenação magnífica da realidade que toma de assalto o filme do princípio ao fim?

Como chegar à verdade senão à boleia da ficção?

Contudo, e apesar da sala de cinema Nimas vibrar de excitação com os seus telemóveis, dentro e fora de bolsos colaboradores, eu aprendi que este filme ainda questiona tudo o que se pensa dentro e fora do cinema: jornalismo, documentário e reportagem, ficção e romance, ternura, paixão, tragédia e comédia. A beleza e a utilidade como princípio sagrado de um povo.

jef, abril 2015

«Índia / India, Matri Bhumi» (1957-1959) de Roberto Rossellini. Argumento e diálogos: Roberto Rossellini; fotografia: Aldo Tonti

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