O filme não vale somente pelas belas falsificações das obras
de Caravaggio, outros tantos plágios filmados, coreografados, para que o pintor
(Nigel Terry) os pinte e os recorde, enquanto vai morrendo sob o olhar
do seu protegido, surdo-mudo, Jerusaleme (Spencer Leigh).
Vale, sobretudo, por esse
inclassificável lapso narrativo que liga anacronicamente o mundo estético e
social de um dos pintores mais vanguardistas do mundo – Michelangelo Merisi,
dito Caravaggio. O poder, a religião, o sexo, a violência, a aproximação e o
alheamento, entre as personagens que estão a pousar para serem pintadas e
aquelas que ficam, por fim, impressas na tela.
Maria Madalena morta, afinal,
é Lena (Tilda Swinton) morta, amante de outro retratado, Ranuccio (Sean Bean),
rufia e lutador de bairro, que a matou por amor a Caravaggio. O sangue vermelho
sobrepõe-se, luminoso, à tela inicial que está a ser pintada de negro. Alguém
escreve à máquina. Alguém mata junto a um veículo motorizado. Alguém calcula numa
máquina digital o dinheiro devido ao artista – o Cardeal Del Monte (Michael Gough) sabe muito
bem quanto valem aquelas telas.
Não sei se este filme resiste aos
anos que sobre ele passaram mas um facto é que me lembra certo cunho abstracto
e estético de «Querelle» (Rainer Werner Fassbinder, 1982), «Fome» (Steve
McQueen, 2008), «Andrei Rubliov» (Andrei Tarkovski, 1966) ou «O Cozinheiro, o
Ladrão, a sua Mulher e o Amante Dela» (Peter Greenaway, 1989).
jef, novembro 2019
«Caravaggio» de Derek Jarman.
Com Nigel Terry, Sean Bean, Garry Cooper, Dexter Fletcher, Spencer Leigh, Tilda
Swinton, Nigel Davenport, Robbie Coltrane, Michael Gough, Noam Almaz. Argumento:
Derek Jarman, Nicholas Ward Jackson (segundo ideia original de Nicholas
Ward-Jackson). Fotografia: Gabriel Beristain. Produtora: Sarah Radclyffe.
Grã-Bretanha, 1986, Cores, 93 min.
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