Quando vi este filme lembrei-me de Orson Welles e Sophia de
Mello Breyner Andresen. Do primeiro talvez porque recorde «Os Olhos de Orson
Welles» de Mark Cousins (2018) que marcava essa indecifrável destreza do realizador
em mostrar e manter(-se) oculto, da sua vontade política face à arte contemporânea
mas também o seu desejo intrínseco de o fazer pela estética mais pura.
Arquitectónica e teatral. Da segunda, talvez por falar-se do centenário do seu
nascimento mas por recordar «Sophia de Mello Breyner Andresen», a
curta-metragem que João César Monteiro realizou em 1969. Nesses 19 minutos de
perícia cinematográfica, o realizador mostra todo o recatado distanciamento,
quase aristocrático alheamento, da personagem apesar de se mover quase
em exclusivo na intimidade familiar. Também aqui nada é revelado. Apenas a
estética da palavra.
Recordei ainda como, numa surpresa assombrosa, vi o filme «Onde
Jaz o teu Sorriso?» (2001) no qual Pedro Costa, através do seu olhar silencioso
sobre a montagem aguerrida e dissecada do filme «Sicília!» de Danièle Huillet e
Jean-Marie Straub (1999), debruçados eles próprios sobre a mesa de montagem,
nos esclarece sobre o último (ou o primeiro) fotograma onde certa personagem desvanece
o sorriso. Meticulosamente discutida. Rigorosamente abstracta. Nessa
altura, percebi o incompreendido fascínio que o filme dos realizadores
franceses me havia provocado.
Também recordei os pintores Vermeer, Hopper, Miró, Goya, Tàpies.
O fotógrafo Daniel Blaufuks…
Pedro Costa tem uma ambição “sobre-realista” de nos mostrar a
condição humana, a estrutura óssea da cidade injustamente deficiente, a família
muscularmente débil, a beleza estrutural das paredes e da pele dos actores. Também Pedro Costa mostra tudo sem nada expor, fazendo-nos íntimos do derradeiro
fotograma onde a lágrima de Vitalina transborda sobre o rosto, fotograma onde também estão guardadas, afinal, a raiva, a força, a destreza (a luz!), que se deve ter para
reconstruir o telhado da casa devassado pela ventania da sociedade.
jef, novembro 2019
«Vitalina Varela» de Pedro Costa. Com Vitalina Varela,
Ventura, José Tavares Borges. Fotografia: Leonardo Simões. Portugal, 2019,
Cores, 124 min.
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