Este é
talvez o filme português mais extraordinário (e inesperado) estreado nos últimos anos. Digo «extraordinário»
por sair de todas as regras do cinema e do teatro. Extra-ordinário.
Não há
ninguém que não saia do cinema que não tenha a sensação de que esteve fora do enquadramento.
Porém, é
um filme que resplandece em ternura. Um filme cheio de carinho, feito de amigos para amigos, nós, espectadores, incluídos. É a vida de um quase reformado Luís Rovisco
(o incrível Miguel Lobo Antunes!) que trabalha numa empresa de quase sucesso, especializada
em câmaras de vigilância e sistemas de segurança, com trabalho por todo o país,
principalmente no Algarve, onde o romance acontecerá.
Ele é
divorciado, o carro avaria, o gatinho morre, tem um neto que deve sempre ajudar
os pais a pôr a mesa, vive algures, mas é quase infeliz pois ainda acredita na
sua quase felicidade e no valor do seu trabalhado.
É uma comédia filmada sempre com um certo grão na imagem e o guarda-roupa, sempre triste. As paredes com infiltrações. A natureza tem palmeiras enfezadas.
Ele trabalha com o Teixeira (o extraordinário Américo Silva!). Ele irá
encontrar uma antiga paixão, a Lucinda (a maravilhosa Luísa Cruz!). Alguém pode
comparar este filme com algumas das comédias de Cottinelli-Telmo ou António
Lopes Ribeiro, mas é errado. Nestes, o teatro é assumido como palco real. Em
«Technoboss», a comédia é feita por planos cinematográficos sincopados, senão
desconexos, onde o estúdio é visível e os rolos com paisagens pintadas vão
passando enquanto Luís Rovisco vai fingindo que conduz e vai cantando sempre.
Como quem canta no banho. Também o diálogo pode surgir em voz-off, como se fosse pensamento, enquanto as personagens dialogantes apenas se olham.
Luís
Rovisco canta com a banda do foyer do hotel. É acordado, em pesadelo, com uma
banda de heavy-metal que lhe canta uma canção de embalar. O coro grego fala
pela voz de um coro masculino de cante alentejano na recepção do hotel….
Afinal,
vai tudo acabar bem numa cena cantada entre lençóis e cumplicidade carinhosa. Mais
uma vez, a cancela do parque de estacionamento do hotel ficará a pulsar, avariada,
ininterrupta, com o vigor do amor.
jef,
novembro 2019
«Technoboss»
de João Nicolau. Com Miguel Lobo Antunes, Luísa Cruz, Américo Silva, Sandra
Faleiro, Duarte Guimarães, José Raposo. Música: Luís José Martins, Pedro Silva
Martins, Norberto Lobo. Portugal, 2019, Cores, 112 min.
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