Grande enciclopédia das imagens e das sombras
Ao quarto romance, Rui
Cardoso Martins identifica uma mudança no rumo da sua escrita. Afunda-lhe o
propósito, aprofunda-lhe o caminho, dá-lhe o peso dos quartos fechados, dos
sótãos escuros, dos prédios em vias de extinção. Se os romances anteriores
mostram a acção na rua ou debaixo de terra ou ao lado dos aviões, este volta-se
para dentro de casa, em palco claustrofóbico, em cenário minúsculo onde as
personagens, vestidas de forma espampanante como na ópera, temem estar
frente-a-frente e evitam-se, diálogo a diálogo, ou melhor, monólogo a monólogo.
Contudo, aqui está tudo o que já era contado, somente é alterado o modo dos que por aqui vivem. Ou sobrevivem, entre a espada e a parede, entre o passado e o futuro, sejam estes últimos olhados de frente ou lá para trás. Antes, o assunto era dissecado pelo olho grande do macroscópio, agora o mundo é dos seres pequenos e microscópios, bactérias carnívoras, protozoários ferozes, onde os animais se multiplicam num imenso jardim zoológico de cristal, como escrevia o outro. Mas o mundo será o mesmo e a consciência da escrita como arma política mantém-se e prolonga-se neste acto de narrativa melodramática. As personagens estão sós, como anteriormente, mas aqui encontram-se para se odiarem, para se repugnarem, para não se compreenderem. Até ao breve capítulo final, libertador. E a rejeição de uns pelos outros, não é mais do que rejeição de uma sociedade ignóbil que abandona os cidadãos de que se alimenta. Em função canibal ou autofágica.
Contudo, aqui está tudo o que já era contado, somente é alterado o modo dos que por aqui vivem. Ou sobrevivem, entre a espada e a parede, entre o passado e o futuro, sejam estes últimos olhados de frente ou lá para trás. Antes, o assunto era dissecado pelo olho grande do macroscópio, agora o mundo é dos seres pequenos e microscópios, bactérias carnívoras, protozoários ferozes, onde os animais se multiplicam num imenso jardim zoológico de cristal, como escrevia o outro. Mas o mundo será o mesmo e a consciência da escrita como arma política mantém-se e prolonga-se neste acto de narrativa melodramática. As personagens estão sós, como anteriormente, mas aqui encontram-se para se odiarem, para se repugnarem, para não se compreenderem. Até ao breve capítulo final, libertador. E a rejeição de uns pelos outros, não é mais do que rejeição de uma sociedade ignóbil que abandona os cidadãos de que se alimenta. Em função canibal ou autofágica.
Aqui voltamos a encontrar a torrente imparável de histórias,
imagens, ideias, sombras. E, neste romance, é tão colossal a velocidade da
associação de objectos contabilizados, de metáforas, alegorias, parábolas, que
ficamos com a percepção de que é a própria sombra criada por estes, no nosso
cérebro, que dá a claridade de uma imagem que, afinal, já era nossa conhecida.
Um verdadeiro tratado de semiologia, a ser analisado segundo Wittgenstein ou
Umberto Eco. E se a maldade, a muita maldade, e a memória, a muita memória, não
forem suficiente há que repetir a frase vezes sem conta, como dizia o outro.
Fixar o caruncho, o escarro, as guerras, os pombos, o naufrágio. Poder-se-ia
dizer que este romance é modernista, expressionista, de certo modo diabólico,
mas seria um erro crasso. «O Osso da Borboleta» não faz mais do que repetir as
imagens até que fiquem dentro de nós de cor, de coração, como fazia o velho
repetidor Homero. Tal como os velhos clássicos, a estratégia de Rui Cardoso
Martins foi sempre a mesma: reconhecer que a Realidade não pode ser real sem a
Ficção, o Mundo não existe sem a Imaginação, o Futuro desmorona-se se lhe retirarem
a Poesia.
Em todos os grandes
escritores, os ciclos iniciados são falsos novos ciclos. A escrita dos grandes escritores está cristalizada numa forma apenas, embora mutante,
que os leitores, melhor que ninguém, sabem identificar!
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