Este é um livro importante. Um livro
impressionante.
A história entre 1981 e 1989 da vida de Agnes Campbell Bain,
dos seus três filhos, dos seus dois ou três maridos, das suas três moradas, da
sua cerveja, do seu vodka, do seu pai, da sua mãe, dos amantes, das amigas e amigos,
dos vizinhos.
A história dos arrabaldes de Glasgow, enterrados na poeira
negra e na escória de carvão das minas abandonadas e do desemprego, também do
alcoolismo crónico e insano, da solidão mortal e miserável, do abandono social, do
absentismo escolar, da intolerância e perseguição primárias contra a diferença
de género, orientação sexual ou diversidade religiosa.
A história do amor cabal e da ternura protectora de Shuggie
Bain pela sua mãe. Esta, uma história contada entre 1981 e 1992.
A história de uma Escócia e de um Reino Unido ensombrados pela figura enteiriçada e déspota de Margaret
Thatcher (1979-1990).
Afinal, a história de como um rapaz pode (mal) sobreviver à
depressão social, ao preconceito, às eternas patadas da vida.
Um livro exemplar sobre como uma pobre sociedade pode (mal) sobreviver no interior de um país supostamente rico, evoluído e industrializado.
O primeiro livro de um autor onde a pieguice é absolutamente anulada pela contenção,
pela dignidade e também pela direcção certeira de cada uma das descrições
de cena. Tudo está lá ao mínimo pormenor sem que nós precisemos de o anotar na margem.
Como no guião de cinema ou nas didascálias de uma peça de teatro.
Toda a minúcia descritiva é importante sem se tornar
ostensiva, voyeurista ou mórbida. Tudo se deve a um desígnio narrativo e
social. A um dever ternurento de justiça. A um comprometimento por um futuro
melhor. Só nesse sentido, é um libelo político. Em todos os outros é um libelo
pelo carinho familiar.
Um livro que me fez recordar “Tempos Difíceis” (1854), só
que o impressionante realismo dos episódios narrados afastam-se totalmente
do humor, ora sub-reptício ora descarado, de Charles Dickens.
Um livro exemplar que deve ser muito lido e por todos considerado.
Nota final em louvor à tradução de Hugo Gonçalves sobre um texto que reflecte um modo linguístico e cultural tão particular.
jef, outubro2022
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