quinta-feira, 20 de outubro de 2022

Sobre o livro «Lisboa Indo e Vindo» de Filomena Marona Beja. Parsifal, 2022.


 









A obra de Filomena Marona Beja é, acima de tudo, inclassificável por género literário. São livros sempre cronistas, sempre históricos, sempre geográficos.

Por sistema e estilo, existe nos seus livros uma ideia arquitectada como um plano urbanístico, uma planta onde implementar ruas e pelourinhos, uma espécie de arquivo romanceado onde são colocados esquiços de prédios, alçados, empenas, alicerces históricos, pormenores saídos de alguma esquina escondida, de algum jardim esquecido.

Também uma vocação social de acreditar no dia presente quando este entende e não esquece os dias passados que o construíram. Uma espécie de arquitectura onde as informações históricas se misturam com o diálogo directo, indirecto, o chiste, o apupo, a intervenção, o ponto de exclamação e o punho no ar. Nada de frases intercalares, nada de entre vírgulas, nada de dúbias interpretações.

Aqui, a vida reclama futuro, modernismo, uma actividade guerreira e planificada como nas obras pictóricas de Fernand Léger.

A História corre lesta e pragmática entre as histórias que sustentam os habitantes anónimos da cidade.

Aqui vamos encontrar a aturada pesquisa que a autora tem executado ao longo dos anos. 12 crónicas sobre e sob os passos de Lisboa. Eu preferia chamar-lhe contos dado o arco narrativo completo que elas desvendam, relembrando, sublinhando, comovendo sobre as históricas paisagens urbanas desta tão velha (e bela) cidade.

Marvila e o Poço do Bispo. As velhas livrarias da Baixa. A raiz e a foz do rio Tejo português. Os azulejos de Maria Keil e o Metropolitano. A cor das flores dos jacarandás. A velha história conventual do Hospital de São José. O ringue de patinagem do Jardim Zoológico. O cheiro adocicado e acre que percorria as ruas vindo da torrefacção do café. O Largo do Carmo e as suas revoluções e chafarizes. O Campo de Alvalade onde se passeava de burro a Rainha Santa Isabel e, mais tarde, um tal famoso barbeiro António que ali foi abrir um cabeleireiro unissexo. Também as futuristas demolições de Duarte Pacheco.

Na obra historicamente arquitectónica de Filomena Marona Beja faltavam estas crónicas-contos para nos fazer reviver uma Lisboa que, em parte, já não existe mas que nos faz desejar contemplar novamente a beleza das sete colinas que nos continuarão a acolher e deslumbrar.


jef, agosto 2022

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