Como
é bom ver um filme de Hitchcock num ecrã grande e em silêncio de telemóveis. Pelos
vistos, não se fala muito do filme apesar de ter como protagonistas Paul Newman
(Michael Armstrong) e Julie Andrew (Sarah Sherman) no auge das suas carreira e
beleza. Apesar de ser um filme tão louco e lúdico como o mais estapafúrdio
conto dos Irmãos Grimm. Apesar de Alfred Hitchcock apostar nas suas mais altas e velhas noções de comédia e suspense: não passa, ele próprio, no átrio do hotel, o bebé
de uma perna para a outra, limpando depois a mão nas calças da possível urina
derramada? Não coloca ele, inicialmente, os dois cientistas (e ainda noivos!) na
cama aos beijos e em grande plano, debaixo de um montão de cobertores, casacos
e sobretudos por causa da falta de aquecimento do navio? Não repetirá ele a cena,
no final, mas agora encharcados e cobertos por um cobertor para se
esconderem de um fotojornalista indiscreto? Não colocará o realizador todos os
esforços para nos fazer crer na inverosímil história daquela louca fuga de
volta à Suécia? Como, se o rosto dos espiões ocidentais está estampado na
televisão e nos jornais? Como escapam eles assim pelas ruas de Berlim? E não é
que nós acreditamos mesmo em tudo, na diabólica bailarina (Tamara Toumanova) a
quem o Professor Michael Armstrong insiste em roubar o protagonismo fotográfico
nas chegadas de avião; na pungente e teatral Condessa Kuchinska (Lila Kedrova)
que lhes pede ajuda para a sua emigração para a América; no longo e hercúleo esforço da mulher do lavrador (Carolyn Conwell) contra o peso-morto do esbirro
Gromek (Wolfgang Kieling)? Não serão as mulheres todas um pouco bruxas, desde a
Dr.ª Koska (Gisela Fischer) até à mulher alemã da resistência que
vocifera na camioneta salvadora? Não será Michael Armstrong, aquele cientista
americano que até a meio do filme parece ser um esquivo e malévolo colaboracionista?
E o professor alemão do nuclear, Gustav Lindt (Ludwig Donath), não é a
personagem mais doce do filme?
Realmente estamos perante uma extraordinária e empolgante aventura Grimm por trás dos sombrios corredores da cortina de ferro e da antiga guerra fria, dirigida pela mão férrea do mestre do suspense teatral e da comédia quase burlesca.
Um motivo maior para rever dois belos actores.
Motivo ainda para
reler o belo texto de João Bénard da Costa para as Folhas da Cinemateca.
jef,
julho 2023
«A
Cortina Rasgada» (Torn Curtain) de Alfred Hitchcock. Com Paul
Newman, Julie Andrews, Lila Kedrova, Hansjörg Felmy, Tamara Toumanova, Ludwig
Donath, Wolfgang Kieling, Günter Strack, David Opatoshu, Gisela Fischer, Mort
Mills, Carolyn Conwell, Arthur Gould-Porter, Gloria Govrin, David Opatoshu,
Norbert Schiller, Peter Bourne. Argumento: Brian Moore, Keith Waterhouse e
Willis Hall. Produção: Jack Corrick. Fotografia: John Warren. Música:
John Addison. EUA, 1966, Cores, 125 min.
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