O
que impressiona nesta obra-prima, a primeira longa-metragem de Maurice
Pialat, é a capacidade de construir um documento único sobre a realidade, portanto
inclassificável, utilizando todos os métodos do drama clássico. Maurice Pialat mostra-nos uma história real através de uma extraordinária
matéria narrativa a que, se fosse um discurso, poderíamos chamar pathos, esse objecto que faz certo tema
aproximar-se da consciência através do nosso coração. (A minha memória
traiçoeira lembra-se de Manoel de Oliveira, John Cassavetes, Abbas Kiarostami
ou Abdellatif Kechiche, nesse modo tão sintomático de nos mostrar o lado ternamente
obscuro da infância, da juventude e da família.)
Sim!
Acima de tudo comovente a história do menino de dez anos, François (Michel
Terrazon) condicionado pelo método de adopção temporária (por oposição da mãe relativamente à adopção definitiva) que o deixa à mercê da violência
do próprio rancor e da maldade mais crua. Até ser adoptado pelo terno e velho
casal Minguet (Marie-Louise Thierry e René Thierry), onde também vive uma avó, Mémère
la Vieille (Marie Marc), com a qual François descobre uma amizade mais forte do que a sua intrínseca revolta.
Ainda toda a história da France contemporânea parece estar aqui a ser contada.
Tudo
neste filme é teatral mas custa a crer que o seja. Por ali existe um realizador
invisível, uma câmara de filma inexistente, mas todos se colocam em cena como
um palco ou uma tragédia grega.
Mas sem oferecer no final o deus ex-machina !
jef,
setembro 2023
«A
Infância Nua» (L'Enfance-Nue) de Maurice Pialat. Com Michel Terrazon, Linda
Gutenberg, Raoul Billerey, Pierrette Deplanque, Marie-Louise
Thierry, René Thierry, Henri Puff, Marie Marc, Maurice Coussonneau. Argumento: Arlette
Langmann e Maurice Pialat Produção: Vera Belmont, François
Truffaut e Claude Berri. Fotografia: Claude Beausoleil. Música: Gabriel
Chwojnik. França, 1968, Cores, 83 min.
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