
Apesar da produtora Força de Produção, que tem levado à cena
peças importantes para o grande público, não distribuir folha de sala (nem
fazer descontos para qualquer classe de espectadores) pesquiso na net e encontro
o que me provocara alguma estranheza: o título da peça – «À Primeira Vista».
Não o conseguia fixar, talvez por ser de certo modo vago e anódino.
Assim entendo que a frase transpõe algo jurídico: ‘Prima Facie, expressão jurídica latina
que significa exactamente: “À primeira vista”’, talvez, digo eu, de supetão, sem reflexão. Ignorância minha…
Um facto é que esta peça para uma só actriz, a maioríssima
Margarida Vila-Nova!, a advogada de sucesso Teresa Oliveira (ou Teté, por charla
sarcástica), pertencente ao terço sobrevivente do curso de Direito, ocupando
todo o espaço cénico devido à dúvida instalada na sala de audiências. Uma
verdade de contornos indistintos por ser sobre factos cuja memória se apresenta
madrasta por dolorosas razões. Para uns, um truque para denegrir o réu e subir
na carreira, para outros uma forma de evitar uma derrota, ou seja, de ficar em
segundo lugar. Para a acusação, uma questão de honra, de moral, ou tão somente, uma questão de princípio. Ou seja, de verdade. Uma mulher no centro do
tribunal, só, no meio do palco aparentemente nu, a fazer valer a sua carreira,
a redimir o afecto que sente (mas teme exibir) pelas origens humildes, circulando no
meio de uma advocacia de carreira, de família, de dinheiro.
Como diz o meu amigo José Manuel Marques, que sabe do
assunto, uma peça que devia ser estudada no Conservatório de Teatro. Digo eu,
uma peça a ser exibida no curso de direito, nos vários cursos sobre a condição social
humana, sobre a condição feminina, esta que permanece no cerne de uma sociedade
eternamente androcêntrica.
O encenador Tiago Guedes entrega a tarefa fantástica e hercúlea
a Margarida Vila-Nova, o duro trabalho para uma actriz apenas, sem rede, sem um
minuto de pausa, dentro de uma marcação de cena frenética, imparável, onde as
diversas personagens se digladiam em múltiplos cenários imaginários, ocupando a
gigantesca sala de audiências no interior de uma claustrófobica sociedade onde o direito na
justiça tantas vezes é simplesmente uma miragem. Um jogo de poderosos, de
dinheiro, de influência.
A não perder!
jef, 10 de Novembro de 2025
«À Primeira Vista». Texto: Suzie Miller. Com Margarida
Vila-Nova. Encenação: Tiago Guedes. Tradução: Ana Sampaio. Cenário: Catarina
Amaro. Desenho de luz: Nuno Meira. Sonoplastia: Carincur. Assistente de
encenação: Luís Araújo. Figurinos: Rita Alves. Produção: Força de Produção com
Margarida Vila-Nova. Fotografia: Filipe Ferreira. 90 minutos.
Teatro Maria Matos
22 de setembro a 9 de dezembro. Segunda-feira e terça-feiras
às 21h00




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