terça-feira, 11 de novembro de 2025

Sobre a peça «À Primeira Vista» de Suzie Miller. Teatro Maria Matos. 2025.

 

 

























Apesar da produtora Força de Produção, que tem levado à cena peças importantes para o grande público, não distribuir folha de sala (nem fazer descontos para qualquer classe de espectadores) pesquiso na net e encontro o que me provocara alguma estranheza: o título da peça – «À Primeira Vista». Não o conseguia fixar, talvez por ser de certo modo vago e anódino.

Assim entendo que a frase transpõe algo jurídico: ‘Prima Facie, expressão jurídica latina que significa exactamente: “À primeira vista”’, talvez, digo eu, de supetão, sem reflexão. Ignorância minha…

Um facto é que esta peça para uma só actriz, a maioríssima Margarida Vila-Nova!, a advogada de sucesso Teresa Oliveira (ou Teté, por charla sarcástica), pertencente ao terço sobrevivente do curso de Direito, ocupando todo o espaço cénico devido à dúvida instalada na sala de audiências. Uma verdade de contornos indistintos por ser sobre factos cuja memória se apresenta madrasta por dolorosas razões. Para uns, um truque para denegrir o réu e subir na carreira, para outros uma forma de evitar uma derrota, ou seja, de ficar em segundo lugar. Para a acusação, uma questão de honra, de moral, ou tão somente, uma questão de princípio. Ou seja, de verdade. Uma mulher no centro do tribunal, só, no meio do palco aparentemente nu, a fazer valer a sua carreira, a redimir o afecto que sente (mas teme exibir) pelas origens humildes, circulando no meio de uma advocacia de carreira, de família, de dinheiro.

Como diz o meu amigo José Manuel Marques, que sabe do assunto, uma peça que devia ser estudada no Conservatório de Teatro. Digo eu, uma peça a ser exibida no curso de direito, nos vários cursos sobre a condição social humana, sobre a condição feminina, esta que permanece no cerne de uma sociedade eternamente androcêntrica.

O encenador Tiago Guedes entrega a tarefa fantástica e hercúlea a Margarida Vila-Nova, o duro trabalho para uma actriz apenas, sem rede, sem um minuto de pausa, dentro de uma marcação de cena frenética, imparável, onde as diversas personagens se digladiam em múltiplos cenários imaginários, ocupando a gigantesca sala de audiências no interior de uma claustrófobica sociedade onde o direito na justiça tantas vezes é simplesmente uma miragem. Um jogo de poderosos, de dinheiro, de influência.

A não perder!


jef, 10 de Novembro de 2025

«À Primeira Vista». Texto: Suzie Miller. Com Margarida Vila-Nova. Encenação: Tiago Guedes. Tradução: Ana Sampaio. Cenário: Catarina Amaro. Desenho de luz: Nuno Meira. Sonoplastia: Carincur. Assistente de encenação: Luís Araújo. Figurinos: Rita Alves. Produção: Força de Produção com Margarida Vila-Nova. Fotografia: Filipe Ferreira. 90 minutos.

 

Teatro Maria Matos

22 de setembro a 9 de dezembro. Segunda-feira e terça-feiras às 21h00

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