Se existem duas personagens que encarnam o fim dos tempos, a
difícil gestão do relógio que vai contando os segundos de uma vida que passa
sobre a cidade cega ao tal relógio, imperturbável face à transformação emocional,
relutante a compreender o que se vai tornando definitivo, essas duas
personagens são Lidia de «A Noite» de Michelangelo Antonioni (1961) e Florence
Carala de «Fim-de-Semana no Ascensor» de Louis Malle.
Ambas têm Jeanne Moreau como estrela polar e, ao mesmo tempo,
estrela cadente de um enigmático, quase iniciático percurso vital. Ambas, e com
poucos anos de diferença, apoderaram-se da tela para demonstrarem ser símbolo
da insatisfação mas, em simultâneo, da irremediável submissão a esse tempo que pode
e deixará tudo para trás. Contudo, se Lidia de Antonioni vai percorrendo o
caminho tortuoso de uma cidade memorável mas que já não existe, Florence de
Louis Malle, percorre a cidade em menos de dois dias em torno de um futuro
prometido, desse amor que teria tudo para vencer se a recordação de algumas
fotografias não viesse revelar a conclusão dos seus derradeiros 20 anos.
Nada é mais moderno, mais americano, mais bélico, mais ferozmente
iluminado, mais irremediavelmente encenado. Miles Davis, a Indochina, a Argélia,
a guerra do petróleo, os automóveis, os motéis, o poderio quase desprezo alemão,
os revólveres, os barbitúricos, a investigação policial, as flausinas e os dandies,
as auto-estradas, a imensa desilusão... A imensa solidão face ao amor findo e à
cidade que fecha os olhos à insistente procura de Florence durante aquelas
poucas horas do seu futuro.
Nunca Jeanne Moreau foi tão amorosamente bela, tristemente
encantada, nunca personagem encarnou tudo aquilo que a esperança encerrará de busca
e possível caminho em direcção ao beco sem saída.
Um imenso e belo filme com uma imensa e bela actriz.
jef, agosto 2018
«Fim-de-Semana no Ascensor» (Ascenseur pour l’Échafaud) de Louis
Malle. Com Jeanne Moreau, Maurice Ronet, Georges Poujouly,
Yori Bertin, Jean Wall, Elga Andersen, Sylviane Aisenstein, Micheline Bona, Gisèle
Grandpré, Jacqueline Staup, Marcel Cuvelier, Lino Ventura. Argumento: Louis Malle, Roger Nimier,
Noël Calef, baseado no romance de Noël Calef. Produção: JeanThuillier. Música: Miles
Davis. Fotografia: Henri Decaë. França, 1958, P/B, 91 min.
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