quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Sobre o filme «A Mulher do Padeiro» de Marcel Pagnol,1938















Diz André Bazin sobre o caso Pagnol: «O “cinema” não é uma abstracção, uma essência, mas a soma de tudo o que, pela trucagem do filme, atinge a qualidade da arte».

Ou seja, Marcel Pagnol é um paradoxo. Refere-se a si próprio como um mestre do teatro filmado, mas faz cinema.

Em «A Mulher do Padeiro», coloca uma torrente de palavras, com a ajuda de Jean Giono que lhe oferece o texto base, mas o expressionismo das personagens lembra sobretudo os olhos e os esgares dramáticos do cinema mudo.

Faz do actor Raimu, um híper teatral padeiro Aimable Castanier, que em cenas sucessivas contracena com o ódio ancestral enraizado numa pequena aldeia da Provença. Porém nada é real. Nem sequer os troncos dos plátanos, construídos por um carpinteiro para serem colocados em palco. Nem sequer se observa o cinéfilo campo-contracampo. É tudo visto em plano com as personagens colocadas lado a lado, não vá o espectador pensar que está no cinema. 

Um diálogo hiperactivo (o teatro) a transformar o movimento da imagem (o cinema) em cenário hipotético, talvez excêntrico face à tela onde está a ser projectado. A tal trucagem, marketing de quem sabe cortar e colar, de quem faz uma vénia matreira ao teatro e depois faz cinema.

Pagnol não teme realizar uma comédia moral / imoral / amoral sobre o ódio ou o amor, sobre a fúria dos vizinhos ou a ternura dos mais próximos, pois o que interessa é safar a aldeia da escassez de pão. Mesmo que todos, para isso, se tenham de unir para salvar o padeiro da tristeza depressiva que o faz entrar numa certa greve, zelosa mas involuntária.

Pode todo o orgulho, colectivo e particular, ter de ser engolido, mas faltar o pão? 
Isso não!

jef, agosto 2018

«A Mulher do Padeiro» (La Femme du Boulanger) de Marcel Pagnol. Com Raimu, Ginette Leclerc, Fernand Charpin, Robert Vattier, Charles Blavette, Robert Bassac, Marcel Maupi, Alida Rouffe, Odette Roger, Yvette Fournier, Maximilienne. Argumento: Marcel Pagnol segundo o romance de Jean Giono. Produção: Charles Pons, Marcel Pagnol. Música: Vincent Scotto. Fotografia: Georges Benoit. França, 1938, Cores, 133 min.

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