O cinema é memória. E é na memória do espectador que funciona. Por que será que «Olhos sem Rosto» de George Franje, realizado em
1960, ainda provoca ansiedade, medo, uma espécie de atracção maravilhosa pelo
que não existe mas nos parece real e aterrador? Talvez porque usa o sublime
para nos fazer querer que esse é o nosso mundo, apesar de inteligível.
E se o cinema é memória, «Olhos sem Rostos» leva-me à pureza
estética de «Nosferatu» de F.W. Murnau
(1922), de «A Bela e o Monstro» e «O Testamento de Orfeu» de Jean
Cocteau (1946, 1960), de «Psico» de Alfred Hitchcock (1960), … até de «Eduardo
Mãos de Tesoura» de Tim Burton (1990). E, claro, da série televisiva que mais
medo me meteu em miúdo: «Les Compagnons de Baal» de Pierre Prévert (1968).
«Olhos sem Rosto» faz-nos acreditar no que é pura invenção,
faz-nos apavorar do que é irreal, faz-nos crer que a estrutura do mundo é
alguma coisa entre o construído e o imaginado. Aí, no meio, nós existimos. A
música de Maurice Jarre assim nos condiciona, assim a fotografia linear quase
geométrica (Eugen Schüfftan) que ilumina automóveis, criptas, sótão e caves, transforma-nos
o coração. E esse, o coração, é bem real e faz-nos ter medo da realidade.
Porque, ali, a realidade é o cinema de George Franju.
Claro que o amor incondicional entre o Dr. Génessier (Pierre
Brasseur), a sua filha Christiane (Édith Scob) e Louise (a maravilhosa e aristocrática Alida
Valli), o amor que à morte levou e a esta levará, é o fulcro da crença
inculcada no espectador. O amor, subtil, grácil, profundo mas verdadeiro, pode
matar, mas também libertar.
Um filme inesquecível. Que a memória o guarde.
jef, julho 2018
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