segunda-feira, 25 de março de 2019

Sobre o filme «Chuva É Cantoria na Aldeia dos Mortos» de João Salaviza e Renée Nader Messora, 2018.

















Como não queria a coisa, com «Acto da Primavera» (Manoel Oliveira, 1963) ou «Nós por Cá Todos Bem» (Fernando Lopes, 1978) aprendi a olhar a etnografia ficcional, a ficção etnográfica, seja lá o que o cinema for quando filma a realidade mas deseja interiormente transfigurá-la. Essa pulsão híbrida que coloca os espectadores a par com actores-não-actores e paisagens a fingir verosímeis, deixando-nos a vogar entre a crença e a fantasia.
Em «Chuva É Cantoria Na Aldeia Dos Mortos», João Salaviza e Renée Nader Messora têm na mão e nos olhos o manancial inesgotavelmente belo da floresta tropical, horas a fio de presença e filmagens no território do Norte do Brasil, ocupados pelos povos indígenas Krahô. Fazem uma ficção com a verdade do casal (Henrique) Ihjãc Krahô e (Raene) Kôtô Krahô. Ele é chamado pelo espírito do pai para que realize o fim do luto e o deixe partir finalmente para a Aldeia dos Mortos. Porém, o chamamento é maior, Ihjãc quase adoece, os mais velhos acham que se tornará ‘xamã’. Ele recusa, foge para que Arara o esqueça.
Belo é também esse lado político de olhar o Brasil pela epiderme de quem ali sempre sobreviveu e protegeu o que lhe entregava a vida – a floresta e o rio.
Talvez, por fim, o deslumbre dos realizadores se torne em veneração transpondo o real-ficcional para algo um pouco tenso, documental, talvez demasiado enciclopédico.

jef, março 2019


«Chuva É Cantoria Na Aldeia Dos Mortos» de João Salaviza e Renée Nader Messora. Com Henrique Ihjãc Krahô, Raene Kôtô Krahô.  Brasil / Portugal, 2018, Cores, 114 min.

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