Como não queria a coisa, com «Acto da
Primavera» (Manoel Oliveira, 1963) ou «Nós por Cá Todos Bem» (Fernando
Lopes, 1978) aprendi a olhar a etnografia ficcional, a ficção etnográfica, seja
lá o que o cinema for quando filma a realidade mas deseja interiormente transfigurá-la.
Essa pulsão híbrida que coloca os espectadores a par com actores-não-actores e
paisagens a fingir verosímeis, deixando-nos a vogar entre a crença e a
fantasia.
Em «Chuva É Cantoria Na Aldeia Dos
Mortos», João Salaviza e Renée Nader Messora têm na mão e nos olhos o manancial
inesgotavelmente belo da floresta tropical, horas a fio de presença e filmagens
no território do Norte do Brasil, ocupados pelos povos indígenas Krahô. Fazem
uma ficção com a verdade do casal (Henrique) Ihjãc Krahô e (Raene) Kôtô Krahô.
Ele é chamado pelo espírito do pai para que realize o fim do luto e o deixe partir
finalmente para a Aldeia dos Mortos. Porém, o chamamento é maior, Ihjãc quase
adoece, os mais velhos acham que se tornará ‘xamã’. Ele recusa, foge para que
Arara o esqueça.
Belo é também esse lado político de
olhar o Brasil pela epiderme de quem ali sempre sobreviveu e protegeu o que lhe
entregava a vida – a floresta e o rio.
Talvez, por fim, o deslumbre dos
realizadores se torne em veneração transpondo o real-ficcional para algo um
pouco tenso, documental, talvez demasiado enciclopédico.
jef, março 2019
«Chuva É Cantoria Na Aldeia Dos Mortos» de João Salaviza e Renée Nader Messora. Com Henrique Ihjãc Krahô, Raene Kôtô Krahô. Brasil / Portugal, 2018, Cores, 114 min.
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