Jia Zhang-ke afasta-se do mundo do
movimento social desestruturado e calada falência de laços familiares que a
China moderna provoca. Vão longe «24 City» (2008) e «Still Life – Natureza
Morta» (2006), talvez dois dos mais importantes 'filmes sociais' que vi. Contudo,
o local da actual barragem das Três Gargantas está lá e a maravilhosa actriz
Zhao Tao, também. Aproximamo-nos de «Se as Montanhas se Afastam» (2015) e
também dos Village People. Ali, «Go West» pela versão dos Pet Shop Boys, agora
«YMCA». Canções-ícones que provocam uma dessintonia temporal entre o Ocidente e
o Oriente chinês, alertando para um conflito de aproximação e, simultânea,
rejeição face à modernidade e à quebra da tradição. Assunto muito de Jia
Zhang-ke.
Interessante, a incursão «americana»
no melodrama amoroso, intenso e insolúvel, quase pungente, à moda de Nicholas
Ray ou Vicente Minnelli, quando a jovem e voluntariosa Qiao (Zhao Tao) se
apaixona por Bin (Liao Fan) líder da máfia, e, por amor, se entrega a cinco
anos de prisão, iniciando-se um conflito sentimental que nos faz seguir por uma
estratégia de filme-viagem entre episódios sucessivos, quase contos
independentes, por vezes desconexos, baseados em diálogos soberbos e numa
cenografia muito característica no realizador. De facto, Zhao Tao, digamos,
sustenta o filme com a caracterização das ‘múltiplas personagens’ de Qiao.
Se eu não fosse avesso às
classificações de género na arte, diria que este filme é um belo 'filme
feminista'.
jef, março 2019
«As Cinzas Brancas Mais Puras» (Jiang hu er nv / Ash is
Purest White) de Jia Zhang-ke. Com Zhao Tao, Liao Fan, Yi'nan Diao. Fotografia:
Eric Gautier. Música: Lim Giong. China / França, 2018, Cores, 137 min.
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