terça-feira, 10 de setembro de 2019

Sobre o filme «O Quarto Mandamento» de Orson Welles, 1942
















Mesmo com as cenas adicionais colocadas pela produção para «amaciar» a história e dar-lhe o necessário happy end que Hollywood da época exigia, tudo neste filme é de Orson Welles, o menino-prodígio, o rebelde com causa, o realizador inclassificável. «And my name is Orson Welles» refere em epílogo a ficha ‘presencial’ focando a iluminação e o microfone onde o próprio Orson Welles foi narrando a história de uma época americana focada na família rica dos Ambersons e do seu mimado e orgulhoso filho George Amberson Minafer (Tim Holt).

Não consigo esquecer o filme-documento de Mark Cousins, «Os Olhos de Orson Welles» (2018), que nos indica a impossibilidade de conhecer a essência de Orson Welles mas explica o seu exemplar método estético e o modo político de fazer cinema. Este filme é exemplo disso.

O esplendoroso cenário onde as personagens se movimentam, se escondem umas das outras ou se escutam e vigiam em vários planos sucessivos e portas entreabertas.

A própria narrativa, centrada num menino orgulhoso e despeitado que vai destruindo os laços dentro de casa e fora dela, é caracterizada pela figura ressabiada «ausente-presente» da tia Fanny Amberson (Agnes Moorehead), afastando a atenção do casal impossível Eugene Morgan (Joseph Cotten) e Isabel Minafer (Dolores Costello), levando à colisão, quase destruição de Lucy Morgan (Anne Baxter) A 'anti-cena' do desmaio é inesquecível!

A cena da corrida na neve entre a charrete puxada a cavalos-músculo e o novíssimo carro movido a cavalos-vapor, opondo os jovens George e Lucy a toda a família e ao progresso na cidade, é de uma tensão maior e revela tudo sobre o motivo subliminar que o realizador quer impor. Acima de tudo, é de uma beleza incomparável!

Neste enorme filme, tudo parece ser dito pelo seu contrário num acto de retórica artística tão apurado que os percalços de produção parecem vir até sublinhar e o ridículo título em português tornar mais grandioso.

jef, setembro 2019

«O Quarto Mandamento» (The Magnificent Ambersons) de Orson Welles. Com Orson Welles (narrador), Joseph Cotten, Tim Holt, Agnes Moorehead, Anne Baxter, Dolores Costello, Ray Collins, Richard Bennett, Erskine Sanford, Anne O’Neal, Don Dillaway. Argumento e Diálogos: Orson Welles, segundo romance de Booth Tarkington. Fotografia: Stanley Cortez. Música: Bernard Herrmann. Produção: Mercury - RKO. (realizadores das cenas complementares: Freddie Fleck, Robert Wise, Jack Moss). EUA, 1942, P/B, 88 min.


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