Mesmo
com as cenas adicionais colocadas pela produção para «amaciar» a história e
dar-lhe o necessário happy end que
Hollywood da época exigia, tudo neste filme é de Orson Welles, o menino-prodígio,
o rebelde com causa, o realizador inclassificável. «And my name is Orson
Welles» refere em epílogo a ficha ‘presencial’ focando a iluminação e o
microfone onde o próprio Orson Welles foi narrando a história de uma época
americana focada na família rica dos Ambersons e do seu mimado e orgulhoso
filho George Amberson Minafer (Tim Holt).
Não
consigo esquecer o filme-documento de Mark Cousins, «Os Olhos de Orson Welles»
(2018), que nos indica a impossibilidade de conhecer a essência de Orson Welles
mas explica o seu exemplar método estético e o modo político de fazer cinema. Este filme é exemplo disso.
O
esplendoroso cenário onde as personagens se movimentam, se escondem umas das
outras ou se escutam e vigiam em vários planos sucessivos e portas
entreabertas.
A
própria narrativa, centrada num menino orgulhoso e despeitado que vai destruindo os laços dentro de casa e fora dela, é caracterizada pela
figura ressabiada «ausente-presente» da tia Fanny Amberson (Agnes Moorehead), afastando
a atenção do casal impossível Eugene Morgan (Joseph Cotten) e Isabel Minafer
(Dolores Costello), levando à colisão, quase destruição de Lucy Morgan (Anne
Baxter) A 'anti-cena' do desmaio é inesquecível!
A
cena da corrida na neve entre a charrete puxada a cavalos-músculo e o novíssimo carro movido
a cavalos-vapor, opondo os jovens George e Lucy a toda a família e ao progresso
na cidade, é de uma tensão maior e revela tudo sobre o motivo subliminar que
o realizador quer impor. Acima de tudo, é de uma beleza incomparável!
Neste
enorme filme, tudo parece ser dito pelo seu contrário num acto de retórica artística
tão apurado que os percalços de produção parecem vir até sublinhar e o ridículo
título em português tornar mais grandioso.
jef,
setembro 2019
«O
Quarto Mandamento» (The Magnificent Ambersons) de Orson Welles. Com Orson
Welles (narrador), Joseph Cotten, Tim Holt, Agnes Moorehead,
Anne Baxter, Dolores Costello, Ray Collins, Richard Bennett, Erskine Sanford,
Anne
O’Neal, Don Dillaway. Argumento e Diálogos: Orson Welles, segundo romance de Booth
Tarkington. Fotografia: Stanley Cortez. Música: Bernard Herrmann. Produção:
Mercury - RKO. (realizadores das cenas complementares: Freddie Fleck, Robert
Wise, Jack Moss). EUA, 1942, P/B, 88 min.
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