O filme contém o princípio bélico da inocência castigada. E se temos de nos
preparar para ver um dos filmes de guerra mais violentos alguma vez realizado,
antes ainda teremos de proteger a memória para que ela não esqueça as 628
aldeias da Bielorrússia que os nazis incendiaram com os seus habitantes dentro
de celeiros e igrejas para instalarem a leste populações «arianas».
É
o último filme de Elem Klimov e é impossível descrever esse lado impuro e
sangrento, ao mesmo tempo bíblico e diabólico, do jovem Florya (Aleksei
Kravchenko) que, em 1943, com uma arma desenterrada e arrancada a um cadáver,
tenta a todo o custo integrar as fileiras da resistência bielorrussa. Porém, a
guerra é implacável e o sonho (ou ímpeto) colectivo é ‘desmascarado’
impiedosamente, logo a seguir, pela solidão do estupor de uma guerra que tudo
castiga. Acima de tudo, apaga o futuro da infância.
Dois
anos depois, o filme «Império do Sol» de Steven Spielberg também coloca o jovem
Jamie Graham (Christian Bale) nessa corrida forçada contra o vazio, mas adoçava-lhe
o final, colocava os decores em locais privilegiados e a luz como imagem protectora.
Em «Vem e Vê», apenas temos o espectro das florestas, o vapor negro das
turfeiras, o descampado enevoado, como ponto de fuga. Não há meio de não olhar!
Não há forma de adoçar-lhe a perspectiva. E mesmo, no final, as imagens reais
das paradas militares em honra a Adolf Hitler, talvez em Nuremberga 1936, e colocados
no de trás para a frente, aparece um pouco como passo em falso a tentar
reverter o irreversível. Em «Vem e Vê» apenas temos o verdadeiro horror da
humanidade e os olhos de Florya que sobreviveu mas ainda corre atrás dos partisans ao som do Requiem de Mozart.
Encontro
um filme que me deixa igualmente neste estado de dor no estômago, aperto no coração
e incredulidade face ao género humano. E aí as imagens estão se certo modo
«ausentes» e a palavra escutada é que a fonte brutal. «Shoah» de Claude Lanzmann
(1985).
jef,
setembro 2019
«Vem
e Vê» (Idi i Smotri) de Elem Klimov. Com Aleksei Kravchenko, Liubomiras
Lauciavicius, Olga Mironova. URSS, 1985, Cores, 146 min.
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