quinta-feira, 12 de setembro de 2019

Sobre o filme «Vem e Vê» de Elem Klimov, 1985


















O filme contém o princípio bélico da inocência castigada. E se temos de nos preparar para ver um dos filmes de guerra mais violentos alguma vez realizado, antes ainda teremos de proteger a memória para que ela não esqueça as 628 aldeias da Bielorrússia que os nazis incendiaram com os seus habitantes dentro de celeiros e igrejas para instalarem a leste populações «arianas».

É o último filme de Elem Klimov e é impossível descrever esse lado impuro e sangrento, ao mesmo tempo bíblico e diabólico, do jovem Florya (Aleksei Kravchenko) que, em 1943, com uma arma desenterrada e arrancada a um cadáver, tenta a todo o custo integrar as fileiras da resistência bielorrussa. Porém, a guerra é implacável e o sonho (ou ímpeto) colectivo é ‘desmascarado’ impiedosamente, logo a seguir, pela solidão do estupor de uma guerra que tudo castiga. Acima de tudo, apaga o futuro da infância.

Dois anos depois, o filme «Império do Sol» de Steven Spielberg também coloca o jovem Jamie Graham (Christian Bale) nessa corrida forçada contra o vazio, mas adoçava-lhe o final, colocava os decores em locais privilegiados e a luz como imagem protectora. Em «Vem e Vê», apenas temos o espectro das florestas, o vapor negro das turfeiras, o descampado enevoado, como ponto de fuga. Não há meio de não olhar! Não há forma de adoçar-lhe a perspectiva. E mesmo, no final, as imagens reais das paradas militares em honra a Adolf Hitler, talvez em Nuremberga 1936, e colocados no de trás para a frente, aparece um pouco como passo em falso a tentar reverter o irreversível. Em «Vem e Vê» apenas temos o verdadeiro horror da humanidade e os olhos de Florya que sobreviveu mas ainda corre atrás dos partisans ao som do Requiem de Mozart.

Encontro um filme que me deixa igualmente neste estado de dor no estômago, aperto no coração e incredulidade face ao género humano. E aí as imagens estão se certo modo «ausentes» e a palavra escutada é que a fonte brutal. «Shoah» de Claude Lanzmann (1985).

jef, setembro 2019

«Vem e Vê» (Idi i Smotri) de Elem Klimov. Com Aleksei Kravchenko, Liubomiras Lauciavicius, Olga Mironova. URSS, 1985, Cores, 146 min.

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