terça-feira, 3 de setembro de 2019

Sobre o filme «Roma» de Federico Fellini, 1972.














«Alea jacta est», diz o professor, descalço, mostrando às crianças a ponderada determinação de Júlio César ao atravessar o Rubicão. Infelizmente não teve o mesmo sucesso instrutivo quando apresentou os slides sobre os importantes monumentos de Roma e, no final, surgem as voluntariosas nádegas de uma dona romana.

Em 1972, Federico Fellini já havia realizado «La Dolce Vita» (1960) e «Oito e Meio» (1963). Um ano depois faria «Amarcord» (1973). Todos filmes sobre o interior, o passado, talvez o futuro do realizador-poeta. Todos eles são mais ajustes de contas do que homenagens nostálgicas ou reverentes. Contudo, em nenhum deles a retaliação é tão nítida, talvez tão agressiva. Não é Júlio César que fala, é Fellini: «Alea jacta est». Avancemos para a monumentalidade de Roma, agigantada mas decadente, imperial mas enredada no catolicismo, com um enorme pretérito mas adulterado pela pressa de um futuro que não chegará.

O que existiu. O que existe. O cinema italiano sobre a época clássica que a Cinecittà de Mussolini difundia. As memórias de criança longe da capital (a mais de 340km de Roma, segundo a imagem inicial). As variedades do Teatro da Barafonda. A chegada deslumbrada do jovem Fellini que se afunda na castiça e truculenta, agitada e esfomeada, terna e musical, urbe. O triste bordel dos pobres. O infeliz bordel dos ricos. O palácio da princesa Domitilla e a passagem de modelos com os novíssimos paramentos litúricos…

Mas também a mais bela cena dentro do recente metro de Roma a destruir pela fruição da humidade frescos que deviam pertencer a um intocado futuro. É essa a poesia estratégica de um carinhoso e enraivecido realizador. Os engarrafamentos que acontecem durante as cheias na radial de Roma, os estudantes que exigem o cinema da verdade ao próprio Fellini e, por fim, essa corrida de motards inquietante e abstracta sobre uma cidade que já desapareceu sob a sensaboria dos turistas.
Um filme difícil e premonitório.
«Alea jacta est!»

jef, setembro 2019

«Roma» (Roma de Fellini) de Federico Fellini. Com Peter Gonzales, Fiona Florence, Marne Maitland, Norma Giachero, Britta Barnes, Pia de Doses, Renato Giovannoli, Elisa Mainardi, Paile Rout, Paola Natale, Marcelle Ginette Serboli, Amgela De Leo. Libero Frissi, Dante Cleri, Mimmo Poli, Galliano Sbarra, Alvaro Vitali, Marcello Mastroianni, Anna Magnani, Gore Vidal, Alberto Sordi, Federico Fellini. Produção: Lamberto Pippia. Música: Nino Rota / Carlo Savina. Itália / França, 1972, Cores, 119 min.

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