«Alea
jacta est», diz o professor, descalço, mostrando às crianças a ponderada
determinação de Júlio César ao atravessar o Rubicão. Infelizmente não teve o
mesmo sucesso instrutivo quando apresentou os slides sobre os importantes
monumentos de Roma e, no final, surgem as voluntariosas nádegas de uma dona
romana.
Em
1972, Federico Fellini já havia realizado «La Dolce Vita» (1960) e «Oito e
Meio» (1963). Um ano depois faria «Amarcord» (1973). Todos filmes sobre o
interior, o passado, talvez o futuro do realizador-poeta. Todos eles são mais
ajustes de contas do que homenagens nostálgicas ou reverentes. Contudo, em
nenhum deles a retaliação é tão nítida, talvez tão agressiva. Não é Júlio César
que fala, é Fellini: «Alea jacta est». Avancemos para a monumentalidade de
Roma, agigantada mas decadente, imperial mas enredada no catolicismo, com um
enorme pretérito mas adulterado pela pressa de um futuro que não chegará.
O
que existiu. O que existe. O cinema italiano sobre a época clássica que a
Cinecittà de Mussolini difundia. As memórias de criança longe da capital (a
mais de 340km de Roma, segundo a imagem inicial). As variedades do Teatro da
Barafonda. A chegada deslumbrada do jovem Fellini que se afunda na castiça e
truculenta, agitada e esfomeada, terna e musical, urbe. O triste bordel dos
pobres. O infeliz bordel dos ricos. O palácio da princesa Domitilla e a
passagem de modelos com os novíssimos paramentos litúricos…
Mas
também a mais bela cena dentro do recente metro de Roma a destruir pela fruição
da humidade frescos que deviam pertencer a um intocado futuro. É essa a poesia
estratégica de um carinhoso e enraivecido realizador. Os engarrafamentos que
acontecem durante as cheias na radial de Roma, os estudantes que exigem o
cinema da verdade ao próprio Fellini e, por fim, essa corrida de motards
inquietante e abstracta sobre uma cidade que já desapareceu sob a sensaboria
dos turistas.
Um
filme difícil e premonitório.
«Alea
jacta est!»
jef,
setembro 2019
«Roma»
(Roma de Fellini) de Federico Fellini. Com Peter Gonzales, Fiona Florence,
Marne Maitland, Norma Giachero, Britta Barnes, Pia de Doses, Renato Giovannoli,
Elisa Mainardi, Paile Rout, Paola Natale, Marcelle Ginette Serboli, Amgela De
Leo. Libero Frissi, Dante Cleri, Mimmo Poli, Galliano Sbarra, Alvaro Vitali,
Marcello Mastroianni, Anna Magnani, Gore Vidal, Alberto Sordi, Federico
Fellini. Produção: Lamberto Pippia. Música: Nino Rota / Carlo Savina. Itália /
França, 1972, Cores, 119 min.
Sem comentários:
Enviar um comentário