O
filme é um caso de estudo e paixão, dos que reúnem um inicial e estrondoso
desaire comercial, com o público a sair a meio da sala e os críticos a zurzir
na fama do realizador, e, posteriormente, o crescente aplauso universal,
tornando-se desses, vistos, revistos e escalpelizados até ao tutano pelos ratos
de cinemateca. Diga-se, ratos de cinemateca de excelente gosto e crítica
apurada!
«Sylvia
Scarlett» é, realmente, assombroso e deixa qualquer um de cara à banda a pensar
que, em 1936, ainda não existiam Truffauts, Godards, Antonionis, Kusturicas ou
Tarantinos, a desviar o normal curso da história a seu bel-prazer com o público
a rejubilar pelas incoerências ‘de estilo’ e as irreverências políticas, morais
ou sexuais.
O
filme é dominado por uma belíssima e vibrante marselhesa Katharine Hepburn
(Sylvia Scarlett) que começa por cortar as longas tranças recusando casar-se
para acompanhar o pai viúvo (Edmund Gwenn) que deve fugir para Londres por
falcatruas financeiras, trocando de identidade de Sylvia para Sylvestre
Scarlett. Já no barco encontra um galã, contrabandista e denunciante, Jimmy
Monkley (Cary Grant) que fica atraído pelo belo ‘rapaz’ e propõe passarem a
trio de aldrabões nos parques londrinos. Apenas um passo até se tornarem
ladrões inconsequentes e depois, rapidamente, a trupe de
vaudeville-saltimbancos formando um quarteto com a criada desafinada Maudie
(Dennie Moore). Durante a tournée dos ‘Pink Pierrots’ encontram o diletante
pintor Michael Fane (Brian Aherne) e a sua amiga particular Lily (Natalie
Paley), e a história muda novamente de curso. O que estava a parecer uma
comédia dramática começa a ser uma tragédia de género, onde Sylvestre / Sylvia
se vê a espiar as raparigas na praia para lhes roubar o vestido, travestindo-se
de si própria, para seduzir o pintor Michael Fane. Tudo anda trocado. O pai
Henry Scarlett está doentiamente apaixonado por Maudie e a amiga do pintor, Lily,
desencantada, cede o seu amor para Sylvia. Tudo parece acabar mal. Até que
durante uma viagem de comboio…
Pode
dar-se muitas voltas ao cinema mas será difícil encontrar um filme onde o
realizador demostre uma maior agilidade para as rápidas mudanças de cenário ou
uma tão grande intuição em gerir as reviravoltas de uma intriga “infinita”…
jef,
setembro 2019
«Sylvia
Scarlett» de George Cukor. Com Katharine Hepburn, Cary Grant, Edmund Gwenn,
Brian Aherne, Dennie Moore, Natalie Paley, Harold Cheevers, Lennox Pawle.
Robert Adair, Lionel Pape, Peter Hobbes, Leonard Mudie, Harold Entwhistle,
Adrienne D’Ambricourt, Gaston Glass, E.E. Clive. Argumento: Gladys Unger, John
Collier e Mortimor Offner segundo o romance de Compton McKenzie. Música: Roy
Webb. Fotografia: Joseph August. Produção: Pandro S. Berman / RKO Radio. EUA, 1936,
P/B, 90 min.
Sem comentários:
Enviar um comentário