quinta-feira, 5 de setembro de 2019

Sobre o filme «Sylvia Scarlett» de George Cukor, 1936















O filme é um caso de estudo e paixão, dos que reúnem um inicial e estrondoso desaire comercial, com o público a sair a meio da sala e os críticos a zurzir na fama do realizador, e, posteriormente, o crescente aplauso universal, tornando-se desses, vistos, revistos e escalpelizados até ao tutano pelos ratos de cinemateca. Diga-se, ratos de cinemateca de excelente gosto e crítica apurada!

«Sylvia Scarlett» é, realmente, assombroso e deixa qualquer um de cara à banda a pensar que, em 1936, ainda não existiam Truffauts, Godards, Antonionis, Kusturicas ou Tarantinos, a desviar o normal curso da história a seu bel-prazer com o público a rejubilar pelas incoerências ‘de estilo’ e as irreverências políticas, morais ou sexuais.

O filme é dominado por uma belíssima e vibrante marselhesa Katharine Hepburn (Sylvia Scarlett) que começa por cortar as longas tranças recusando casar-se para acompanhar o pai viúvo (Edmund Gwenn) que deve fugir para Londres por falcatruas financeiras, trocando de identidade de Sylvia para Sylvestre Scarlett. Já no barco encontra um galã, contrabandista e denunciante, Jimmy Monkley (Cary Grant) que fica atraído pelo belo ‘rapaz’ e propõe passarem a trio de aldrabões nos parques londrinos. Apenas um passo até se tornarem ladrões inconsequentes e depois, rapidamente, a trupe de vaudeville-saltimbancos formando um quarteto com a criada desafinada Maudie (Dennie Moore). Durante a tournée dos ‘Pink Pierrots’ encontram o diletante pintor Michael Fane (Brian Aherne) e a sua amiga particular Lily (Natalie Paley), e a história muda novamente de curso. O que estava a parecer uma comédia dramática começa a ser uma tragédia de género, onde Sylvestre / Sylvia se vê a espiar as raparigas na praia para lhes roubar o vestido, travestindo-se de si própria, para seduzir o pintor Michael Fane. Tudo anda trocado. O pai Henry Scarlett está doentiamente apaixonado por Maudie e a amiga do pintor, Lily, desencantada, cede o seu amor para Sylvia. Tudo parece acabar mal. Até que durante uma viagem de comboio…

Pode dar-se muitas voltas ao cinema mas será difícil encontrar um filme onde o realizador demostre uma maior agilidade para as rápidas mudanças de cenário ou uma tão grande intuição em gerir as reviravoltas de uma intriga “infinita”…

…Bem, jamais esquecerei Katharine Hepburn e Cary Grant em «As Duas Feras» de Howard Hawks (1938)! (também é de recordar que este filme existia antes de «Victor / Victoria» (Blake Edwards, 1982) ou «Crying Game» (Neil Jordan, 1992)).

jef, setembro 2019

«Sylvia Scarlett» de George Cukor. Com Katharine Hepburn, Cary Grant, Edmund Gwenn, Brian Aherne, Dennie Moore, Natalie Paley, Harold Cheevers, Lennox Pawle. Robert Adair, Lionel Pape, Peter Hobbes, Leonard Mudie, Harold Entwhistle, Adrienne D’Ambricourt, Gaston Glass, E.E. Clive. Argumento: Gladys Unger, John Collier e Mortimor Offner segundo o romance de Compton McKenzie. Música: Roy Webb. Fotografia: Joseph August. Produção: Pandro S. Berman / RKO Radio. EUA, 1936, P/B, 90 min.

Sem comentários:

Enviar um comentário