Nos contos de Lídia Jorge, e nestes em especial, existe uma
intriga de que usualmente desconhecemos o início mas que nos entrega a
personagem já em modo latente, inconsequente, nervosa, no que respeita à autoconsciência
da sua história inacabada. Da história ficcional da personagem real que poderá
nem terminar. E nós com ela, solidários e também solitários, seguindo-lhe a angústia.
É assim com Lúcia, a porteira, que todos os dias aguarda o marido
com o credo na boca e o futuro no bolso da bata. Também, com o Professor que
tenta contar as aves na praia, talvez alheado do seu número, talvez alheado das
circunstâncias que o impedem de as numerar. Principalmente, com o tio fotógrafo
e ciclista, fora do mundo e desajustado da família (excepto da veneração
competitiva dos sobrinhos) que fotografa a menina Greta Garbo entre as flores, perdendo
o rasto ao veículo amado, a instrumentalina, perdendo-se depois para lá das
margens do lago Ontário. Também com o monólogo-diálogo da emigrante Zuzete ou com o gin-tónico de João Desidério, dono do Hotel Paraíso, que ouve as memórias
de um certo salvamento e do seu mal-entendido mentiroso.
As histórias curtas de Lídia Jorge são narradas tanto pelos
dias vividos das personagens como pelos reflexos que delas fazem o vidro de uma
janela ou a onda espraiada em certo mar inconcluso.
jef, setembro 2019
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