Olivier
Rolin está nos Açores, ilha do Faial. Visita o observatório meteorológico e
sismológico e vê com atenção as agulhas que gravitavam com tinta sobre os
aparelhómetros. Diz:
«Escrever
grandes coisas com a delicadeza das patas de um insecto, em suma, traçar
grandiosos gatafunhos, não será este o ideal de qualquer escritor?» pp. 25
Olivier
Rolin, escritor francês, melhor conhecedor de Portugal, ou eterno espectador de
Portugal, instala-se em Cascais, numa residência literária, rodeia-se de mar, Fernão
Mendes Pinto, Camões e Álvaro de Campos, e mergulha nessa capacidade de ser nostálgico
em que, diz, serem os portugueses verdadeiramente honestos.
Rodeia-se
de dezenas de cadernos de apontamentos, vai decifrando-os e falando, sem ordem
aparente, de forma circular como o mundo que não tem fim, ou escrevendo, sobre
as viagens que teve de fazer ou foi impelido, por vocação ou instinto, a fazer.
Também dos seus livros, que sempre de viagens falam. Fala das suas paixões, e
das suas paixonetas, fala dos seus amigos, das regiões que visitou e que talvez
não visitará mais. Fala de pormenores de salas vazias, onde jantou sozinho,
fala de mamutes enterrados na neve, de cacos arqueológicos que se colam,
deixando ao arqueólogo apenas o seu interior remendado e vazio. Sim, fala da
solidão e dos seus mortos. Do Sudão, do deserto, de Sarajevo, da guerra, de
Xangai, da multidão, do extremo árctico que une a ex-união soviética ao resto
do planeta.
Pergunta:
«Porque
é que o tempo tem de apagar emoções tão violentas (mas não a sombra formada
pela sua recordação)?» pp. 148
Porém,
Olivier Rolin nunca fala com melancolia. Ele sabe como cruzar Júlio Verne, e as
suas fúrias narrativas e fantasiosas, com George Perec, e a sua certeza
geográfica no pormenor ínfimo de um espaço. Está lá «Suite no Hotel Crystal» (2014),
assim como «Porto Sudão» (1994), «Tigre de Papel» (2002), «Baku, últimos dias»
(2010), «O Meteorologista» (2014), «Sibéria» (2011), «A Invenção do Mundo» (1993)
ou «Veracruz» (2017).
(Lembrei-me
ainda de Rui Cardoso Martins, no modo jornalístico de olhar a verdade de uma
guerra cruzado com a fantasia ficcionada de uma história que nos puxa para
diante.)
Por fim,
esclarece-nos:
«A vida não
é uma linha, uma trajectória, é uma árvore infinitamente ramificada e frondosa,
uma cabeleira imensa. Essas outras vidas forjaram aos poucos a tua, e, nesses
destinos que já não conheces, no Peru, no Sudão, na Rússia, em todos os lados
por onde passaste, uma parte ínfima de ti continua a viver – ou a morrer – sem ti.
É disso, afinal, que queres tentar dar uma ideia – acaba finalmente de ser
claro para ti.)» pp. 205
jef, dezembro
2019
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