quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

Sobre o livro «Peregrinação» de Olivier Rolin. Sextante, 2019. Tradução por Joana Cabral.















Olivier Rolin está nos Açores, ilha do Faial. Visita o observatório meteorológico e sismológico e vê com atenção as agulhas que gravitavam com tinta sobre os aparelhómetros. Diz:
«Escrever grandes coisas com a delicadeza das patas de um insecto, em suma, traçar grandiosos gatafunhos, não será este o ideal de qualquer escritor?» pp. 25

Olivier Rolin, escritor francês, melhor conhecedor de Portugal, ou eterno espectador de Portugal, instala-se em Cascais, numa residência literária, rodeia-se de mar, Fernão Mendes Pinto, Camões e Álvaro de Campos, e mergulha nessa capacidade de ser nostálgico em que, diz, serem os portugueses verdadeiramente honestos.

Rodeia-se de dezenas de cadernos de apontamentos, vai decifrando-os e falando, sem ordem aparente, de forma circular como o mundo que não tem fim, ou escrevendo, sobre as viagens que teve de fazer ou foi impelido, por vocação ou instinto, a fazer. Também dos seus livros, que sempre de viagens falam. Fala das suas paixões, e das suas paixonetas, fala dos seus amigos, das regiões que visitou e que talvez não visitará mais. Fala de pormenores de salas vazias, onde jantou sozinho, fala de mamutes enterrados na neve, de cacos arqueológicos que se colam, deixando ao arqueólogo apenas o seu interior remendado e vazio. Sim, fala da solidão e dos seus mortos. Do Sudão, do deserto, de Sarajevo, da guerra, de Xangai, da multidão, do extremo árctico que une a ex-união soviética ao resto do planeta.

Pergunta:
«Porque é que o tempo tem de apagar emoções tão violentas (mas não a sombra formada pela sua recordação)?» pp. 148

Porém, Olivier Rolin nunca fala com melancolia. Ele sabe como cruzar Júlio Verne, e as suas fúrias narrativas e fantasiosas, com George Perec, e a sua certeza geográfica no pormenor ínfimo de um espaço. Está lá «Suite no Hotel Crystal» (2014), assim como «Porto Sudão» (1994), «Tigre de Papel» (2002), «Baku, últimos dias» (2010), «O Meteorologista» (2014), «Sibéria» (2011), «A Invenção do Mundo» (1993) ou «Veracruz» (2017).

(Lembrei-me ainda de Rui Cardoso Martins, no modo jornalístico de olhar a verdade de uma guerra cruzado com a fantasia ficcionada de uma história que nos puxa para diante.)

Por fim, esclarece-nos:
«A vida não é uma linha, uma trajectória, é uma árvore infinitamente ramificada e frondosa, uma cabeleira imensa. Essas outras vidas forjaram aos poucos a tua, e, nesses destinos que já não conheces, no Peru, no Sudão, na Rússia, em todos os lados por onde passaste, uma parte ínfima de ti continua a viver – ou a morrer – sem ti. É disso, afinal, que queres tentar dar uma ideia – acaba finalmente de ser claro para ti.)» pp. 205

jef, dezembro 2019

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