Ilustrando
o abstracto.
Na
arte existe a superfície e o resto. Como nos perfis geológicos quando a Terra
esconde o que tem dentro da crosta. Paulo Romão Brás procura com exactidão esse
ponto de contacto entre o visível e o invisível, entre o que é presente e
estamos agora a olhar e o que vai sendo transformado, geologicamente, pela
memória.
Max
Ernst (1891-1976), nascido na Alemanha, mobilizado na primeira guerra mundial, artista
“degenerado” e proscrito pelos nazis, não era alemão, nem depois americano,
parisiense. Nem cubista, surrealista, expressionista. Viu-se obrigado na década
de 1920 a rasgar as páginas de catálogos ilustrados sobrepondo-lhes as imagens
para descobrir os interstícios do seu passado.
Como
Max Ernst, que recorria à grafite para riscar sobre o papel revelando a textura
gráfica da superfície “invisível” da madeira (frottage), Paulo Romão Brás dá
uso à arte labiríntica de agente secreto e falsificador de ídolos, e coloca à
nossa frente uma cortina de cabos que suspendem fios de caricas metálicas. Para
entrar no espaço ténue entre o passado e o presente, devemos afastar a cortina
e entrar numa taberna do Alentejo sideral. Assim, o espaço cronológico fica
apartado entre essa memória rural e um falso futuro urbano.
Dois
trabalhos (100 x 70cm) revelam-se face a face. Ou, repito, escondem-se face a
face. Porque são rostos de um passado a preto e branco que tentam emergir em
plano primeiro enquanto o recorte e colagem de «papéis de catálogo» gritam,
coloridos, papelinhos de carnaval anacrónico, que ainda não é tempo de revelar as
identidades. Apenas o brilho do artifício.
Por
isso, Paulo Romão Brás escreve: Movimentos que Oscilam entre Formas Regulares.
À nossa frente apresenta-se, peremptória, uma pequena escultura em contraponto
conclusivo, alegando que é com ela que o nosso olhar se inicia. Pelo movimento
das figuras que se expõem entre as fissuras de uma memória assustada pelo
presente que não sabe o que vai ser. «Nightmare before Christmas» mas no
abstracto. Com ela, a nossa conclusão principia e o ‘catálogo’ de Paulo Romão
Brás começa a ser rasgado.
«Movimentos
que Oscilam entre Formas Regulares»
Galeria
Lilliput. Bar Flor do Tejo. Cais de Vila Franca de Xira
João
Eduardo Ferreira
Dezembro 2019
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