A luz, o amor, a sociedade. O fim dos objectos.
É
difícil escrever alguma coisa sobre um filme onde o uso exemplar da forma está
definitivamente comprometido com a profunda descrença no futuro. Nesse ponto,
na mestria dramática dos objectos, personagens, planos e falas, esta obra
afirma-se como uma admirável ironia futurista. Um paradoxo.
Porque
é um filme emblemático, simbólico, eterno. A arquitectura do cimento e do vidro
representa o fim da sedução e do compromisso a partir da composição dos planos.
Planos onde as personagens se cruzam apenas pelo olhar. Beijos distantes. A luz
diagonal que faz inclinar o pescoço ou elevar a nuca. No início, o afundar
vertical do vidro. No final, a horizontalidade dos corpos, desencontrados,
entre as árvores. «Não te amo mais e tu também já não me amas».
A
arquitectura, o design e as árvores. O fim de «A Aventura» (1960), «O Eclipse»
(1962). As trilogias de Antonioni sobre o futuro. Sobre a nova sociedade.
A tristeza como sinal da falência e da mudança. O fim de uma certa burguesia. A festa como conclusão desse futuro e o recomeço do passado. A descontente apresentação do novo livro de Giovanni Pontano (Marcello Mastroianni), a deriva de Lidia (Jeanne Moreau) pelos espaços da nostalgia. Na simbologia, este filme utiliza toda a técnica da sugestão do neo-realismo.
A
taça de champanhe à cabeceira do amigo moribundo, a dança acrobática e
«alcoólica» dos negros no bar, a festa dos Gherardini que é iniciada em torno
de um cavalo e do seu cavaleiro. «Mas estão todos mortos, aqui?» Miles Davis
pelo chão ou o realismo de «Os Sonâmbulos» de Hermann Broch, esquecido nos
degraus de umas escadas.
O
empresário Gherardini apresenta a firma como obra de arte ao escritor,
desejando contratá-lo para que lhe dirigia a comunicação. Pontano diz que
apenas tem memória, já não tem ideias. A Democracia como potencial económico e
a marquesa Gentili, perita em orfãozinhos.
Os
aviões e helicópteros que vão cruzando o céu de um sábado quente e dolente. A
aparição deslumbrante, mas derradeira, de Valentina Gherardini (Monica Vitti). A primeira
contraluz de domingo.
E
o som como a ironia mais triste do que não foi agarrado no passado e que talvez
já não será tocado no futuro.
Por
que me lembro agora tanto de Jacques Tati e de Yasujiro Ozu?
Nada
mais decadentemente contemporâneo.
É
muito difícil escrever sobre «A Noite» porque a paixão revelada sobre a
arquitectura e a forma é, afinal, a absoluta afirmação de que o futuro trará a
essência da razão e do milagre.
jef, janeiro 2017
«A
Noite» (La Notte) de Michelangelo Antonioni. Com Marcello Mastroianni, Jeanne
Moreau, Monica Vitti, Bernhard Wicki, Maria Pia Luzo, Rossy Mazzacurati, Guido
A. Marsan, Gitt Magrini, Vincenzo Corbella, Giorgio Negro, Roberta Speroni, Ugo
Fortunati, Vittorio Bertolini, Valentino Bompiani, Salvatore Quasimodo,
Giansiro Ferrata, Roberto Danesi, Ottiero Ottieri. Argumento: Michelangelo
Antonioni, Ennio Flaiano e Tonino Guerra. Produção: Dino De Laurentiis. Música:
Giorgio Gaslini e Quarteto Giorgio Gaslini. Fotografia: Gianni Di Venanzo.
Itália, 1961, P/B, 122 min.
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