Este
filme podia ser uma ópera silenciosa, tal a carga cénica que é colocada em cada
plano, rodeada da música de Giovanni Fusco, envolvida pela fotografia de Enzo
Serafin, pelos longos planos em ponto de fuga e linhas convergentes de escadas de
elevador, estradas, linhas de eléctrico; planos onde Lucia Bosè (Paola Molon
Fontana) se move alongadamente como um belíssimo espectro estilizado, envolto
pelos magníficos vestidos desenhados por Ferdinando Sarmi.
São
longos planos quase lentos que colocam Paola Fontana entre dois mundos
obstinados e cruéis. Inconciliáveis. O mundo milionário do industrial milanês e
seu marido, Enrico Fontana (Ferdinando Sarmi), e o do mal agasalhado e empobrecido,
agora reencontrado amor de juventude, Guido (Massimo Girotti). Por isso, esta
ópera policial poderia ser um contraponto e uma libertação relativamente ao
neo-realismo de Vittorio De Sica, usando os mesmos códigos à boníssima maneira
de Antonioni: personagens silenciosos, em evasão de si próprias, do seu passado
e do seu destino; personagens desaparecidas e falsamente reencontradas; mulheres
que apenas têm a sua busca por método e homens enleados pelo que desejam mas
recusam encontrar.
Este
filme deve ser visto por diversas vezes, já que a extraordinária beleza de cada
uma das cenas por vezes nos distrai das características essenciais e do ritmo
da sua sequência, da densidade política de inúmeras falas.
Um
assombro.
jef,
setembro 2021
«Escândalo
de Amor» (Cronaca di un Amore) de Michelangelo Antonioni. Com Lucia Bosè. Massimo
Girotti, Gino Rossi, Ferdinando Sarmi, Marika Rowsky, Rosi Mirafiore, Rubi
Dalma, Anita Farra, Carlo Gazzabini, Nardo Rimediotti Renato Burrini, Vittorio
Manfrino, Vittoria Mondello. Argumento: Michelangelo Antonioni, Daniele
D'Anza, Silvio Giovaninetti, Francesco Maselli, Piero Tellini. Produção: Franco
Villani e Stefano Caretta. Fotografia: Enzo Serafin. Música: Giovanni Fusco. Guarda-roupa:
Ferdinando Sarmi. Itália, 1950, P/B, 98 min.
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