Do
modo anacrónico, como as coisas sempre se associam no nosso interior, G.K.
Chesterton (1874 – 1936) faz parte de um certo mundo britânico a que ligo aos
Monty Phyton. Um mundo desvairado mas coerente, elegante mas sempre
contracorrente, aparentemente abstracto, fantasioso e delirante, irónico até
mais não, sarcástico, e ao mesmo tempo muito sério, nunca se desviando um
centímetro da regra narrativa de melhor prender o leitor. Do melhor e mais
clássico tom linguístico. Charles Dickens, Edgar Allan Poe, Oscar Wilde, Arthur
Conan Doyle, Horace Walpole, Lewis Carroll, e por aí fora…
Este
é um romance que poderia ser lido como um livro de aventuras para crianças que
gostem de poetas, polícias e anarquistas bombistas de chapéu alto e labita.
Estamos no início do século XX e aqui ninguém é quem parece. Tudo é falso.
Excepto talvez o antagonismo semiótico que acontece logo no início, em Saffron
Park, entre o ruivo, incendiário e anarquista palestrante, Lucian Gregory, e o
poeta da ordem e da lei, Gabriel Syme. Afinal quem são os sete membros do
dinamitador Conselho Central Europeu dos Anarquistas? O que é o Serviço
filosófico da Scotland Yard? Por que se mascaram eles e são na realidade o que
não parecem? Porque teria Syme “aqueles espasmos de grande senso, essas
intuições poéticas que por vezes chegavam à exaltação profética”?
Porque
lutam desesperadamente uns contra os outros se partilham todos a mesma
identidade, uma amizade solidária quase saída do reino dos romances de
cavalaria, dos romances de aventuras mais fabulosos?
Porque
desconfiam de tudo e de todos, se tudo e todos são falsos?
«querem
que vos diga qual é o segredo do mundo inteiro? É que lhe conhecemos apenas as
costas, vemos tudo por trás e parece-nos brutal. Aquilo não é uma árvore, são
as costas de uma árvore, aquilo não é uma nuvem, mas sim as costas de uma
nuvem. Não vêem que tudo se curva e esconde a cara? Se nós pudéssemos ver de
frente…»
«Um
distraído é um bem-intencionado, é um indivíduo que, se reparar em nós, pede
desculpa. Mas já pensaram num distraído que, se nos vir, mata? Isso é que
esgota os nervos, a abstracção combinada com a crueldade».
«O
trabalho do polícia filósofo é ao mesmo tempo mais audacioso e mais subtil que
o do polícia vulgar. Este vai aos tascos prender ladrões, nós vamos aos chás de
artistas descobrir pessimistas. O detective vulgar descobre, por uma agenda ou
por um diário, que se cometeu um crime. Nós, num livro de sonetos, descobrimos
que se vai cometer um crime.»
E
está tudo dito!
(Só
é pena a edição estar semeada de tantos erros, de revisão e dos outros…)
jef, setembro 2021
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