Antonioni
possui uma especial intuição poética para exprimir o abandono, de transmitir a melancolia da ausência através de imagens quantas vezes de puro abstracionismo
simbólico. Talvez seja aí que ele se una (ou rejeite e se afaste) da simbologia
neo-realista.
«O
Grito» tem no centro a perda constante e sucessiva. Aldo (Steve Cochran), homem
forte e deliberadamente resistente, tal como os outros heróis operários da
revolução iminente, é quem suporta todas as vicissitudes dessa privação, da
sucessão de abandonos, das cidades por construir que são devoradas pelo
capitalismo industrial, das mulheres que procuram em Aldo o ser que ele não
consegue ser, até para Rosina (Mirna Girardi), a sua pequena filha, que ele
transporta sozinho mais como fardo de uma vida sem sentido do que por afecto
involuntário e maternal. A mãe, Irma (Alida Valli), reconstruir-lhe-á, mais tarde, a vida numa cidade à beira da especulação. E Aldo a ela voltará para se concluir,
se imolar. No fundo para se evitar.
Mas
os maiores símbolos dessa sociedade em fim de ciclo é o permanente caminho sacrificado das personagens entre a lama, a chuva, a poeira e a solidão.
É
impossível não recordar «Obsessão» de Luchino Visconti (1943), «A Estrada» de
Federico Fellini (1954) ou «Ladrões de Bicicletas» de Vittorio De Sica (1948). Apenas
em «O Grito», todo o abandono social reflecte-se no interior de um
homem, apenas nele, na sua via sacra ao som dos passos sobre o saibro ou sobre
a lama, ou no olhar visto através de uma janela que é o apelo final, belíssima
e abstracta conclusão, para a ascensão final e a queda inevitável, ao som de um grito tão pungente que fere o silêncio que perseguiu todo o filme.
jef,
setembro 2021
«O
Grito» (Il Grido) de Michelangelo Antonioni. Com Steve Cochran, Alida Valli, Dorian
Gray, Jacqueline Jones, Gabriella Pallotta, Pina Boldrini, Guerrino Campanilli,
Mirna Girardi, Lilia Landi, Gaetano Matteucci, Betsy Blair. Argumento: Michelangelo
Antonioni, Elio Bartolini, Ennio De Concini. Produção: Franco Cancellieri, Ralph
Pinto. Fotografia: Gianni Di Venanzo. Música: Giovanni Fusco. Itália / EUA, 1957,
P/B, 126 min.
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