segunda-feira, 27 de setembro de 2021

Sobre o filme «Má Sorte no Sexo ou Porno Acidental» de Radu Jude, 2021


 



















A geração dos cineastas romenos Cristian Mungiu, Cristi Puiu ou Corneliu Porumboiu ofereceu ao mundo o dogma (e o espanto) de um novíssimo cinema realista europeu. «A Morte do Senhor Lazarescu» (Cristi Puiu, 2005), «12:08 a Este de Bucareste» (Corneliu Porumboiu, 2006) e «4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias» (Cristian Mungiu, 2007), mudaram o modo de olhamos a vida real através do cinema, revolucionaram o realismo e conquistaram a memória na cinematografia mundial.

E se «4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias» foi ganhar a Palma de Ouro em Cannes, este «Má Sorte no Sexo ou Porno Acidental» conquistou o Urso de Ouro em Berlim.

Radu Jude nasceu em 1977 e traz uma nova objectiva estética ao realismo romeno da geração dos seus conterrâneos. Repetindo-me, digo que ele transporta uma nova objectiva e um novo realismo, trocando os parâmetros narrativos ao modo tradicional de descrever um caso tão simples, quando Emilia (Katia Pascariu), excelente e reconhecida professora de literatura, vê, por um acaso digital pouco claro, ser divulgado no éter dos satélites um inocente vídeo caseiro onde ela brincava sexualmente com o seu marido, Eugen (Stefan Steel).

E é este o primeiro filme que vejo filmado durante a pandemia, onde praticamente todos os actores, e em particular a soberba actriz Katia Pascariu, têm de se exprimir através das máscaras. Um primeiro sinal genial do filme com o qual Ingmar Bergman se deliciaria. Por trás da máscara está a pessoa, por traz da pessoa, a persona, por traz desta a arte de interpretar o cinema.

O segundo sinal a não esquecer é que o realizador mostra, numa primeira parte e de modo algo abstracto, a cidade de Bucareste percorrida pela ansiedade da professora acossada. Pelo meio das ruas, das paredes, dos prédios em ruínas, dos cartazes rasgados, dos anúncios comerciais, a viva mexe, remexe, numa espécie de expositor terno e ao mesmo tempo despudorado, quase pornográfico, mostrando e suspendendo as entranhas de uma cidade pelas quais uma alma deseja reorganizar a hermenêutica da sua vida. Wim Wenders ou Jean-Luc Godard não o teriam feito melhor.

Depois, a segunda parte, traz a liberdade desabrida de uma caderneta de cromos de “anedotas, signos e prodígios” sobre a vida de uma Roménia dilaceradamente divertida entre as guerras, o nazismo, o comunismo, Ceausescu e os ciganos. Causa ou consequência, não sabemos, mas é impossível esquecer o filme «A Autobiografia de Nicolae Ceausescu» de Andrei Ujica (2010).

Conclui-se com uma cena de burlesco real onde a expulsão da professora é ponderada, discutida e votada em plenário por toda a sociedade escolar, por toda a sociedade romena, por toda a preconceituosa inteligência europeia, por uma espécie de concílio global sobre a ablação do princípio universal da liberdade individual.

Um filme, ele próprio, de uma liberdade imensa que ficará guardado na colecção muito especial de filmes neo-neo-neo-realistas!


jef, setembro 2021

«Má Sorte no Sexo ou Porno Acidental» (Babardeala cu bucluc sau porno balamuc) de Radu Jude. Com Katia Pascariu, Claudia Ieremia, Olimpia Malai, Nicodim Ungureanu, Alexandru Potocean, Andi Vasluianu, Oana Maria Zaharia, Gabriel Spahiu, Florin Petrescu, Stefan Steel. Argumento: Michelangelo Antonioni, Elio Bartolini, Ennio De Concini. Produção: Ada Solomon, Paul Thiltges, Adrien Chef. Fotografia: Marius Panduru. Música: Jura Ferina, Pavao Miholjevic. Roménia / Luxemburgo / República Checa, 2021, Cores, 106 min.

Sem comentários:

Enviar um comentário