quarta-feira, 22 de junho de 2022

Sobre a leitura de «Austerlitz» de W.G. Sebald, Quetzal 2012 (2001)
























O unir dos pontos.

No jogo dos miúdos, o traço do lápis vai ligando os pontos e, no final, faz aparecer a figura insuspeitada, para espanto do próprio que a desenhou. Assim é «Austerlitz», assim é a leitura (dos livros, dos filmes, das músicas, das pessoas). Embora W.G. Sebald soubesse, ao publicar o livro em 2001, que estava a fotografar a memória esquecida ou a dar nova consciência à arquitectura, não desconfiava que uniria dois pontos únicos do que eu sou, aqui e agora: (1) Theresienstadt e (2) Marienbad. Ambas as geografias vogavam dentro de mim, isoladas, independentes, conhecidas pela imagem maior que delas me haviam dado os nomes de (1) Anne Sofie von Otter no álbum da Deutsche Grammophon (2007), onde a meio-soprano canta peças compostas no campo de extermínio / gueto de Theresienstadt e de (2) Alain Resnais autor de «O Último Ano em Marienbad» (1961), filme do futuro onírico onde as personagens deambulam no espectro da morte e da ausência. Unindo-me os pontos, Sebald criou um novo objecto fazendo-me entrar na filosofia da perda inexorável da memória, da narrativa compulsiva dos objectos, da descrição minuciosa das estações de caminho de ferro, da fotografia real-imaginária de quem só pode regressar através do sonho ou em pesadelo. Uma viagem fotografada-imaginada como dez anos depois o foram «Baku, Últimos Dias» de Olivier Rolin ou «A Lebre de Olhos de Âmbar» de Edmund de Waal.

«Austerlitz» é um livro que une os pontos esquecidos ou as pontas soltas que navegam dentro de nós. «Austerlitz» é, sobretudo, um livro que demonstra a importância absoluta de permanecermos a ler (pessoas, músicas, filmes e livros).

Resumindo, é um erro não ler este livro!


jef, Junho 2014

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