O
unir dos pontos.
No
jogo dos miúdos, o traço do lápis vai ligando os pontos e, no final, faz
aparecer a figura insuspeitada, para espanto do próprio que a desenhou. Assim é
«Austerlitz», assim é a leitura (dos livros, dos filmes, das músicas, das
pessoas). Embora W.G. Sebald soubesse, ao publicar o livro em 2001, que estava
a fotografar a memória esquecida ou a dar nova consciência à arquitectura, não
desconfiava que uniria dois pontos únicos do que eu sou, aqui e agora: (1)
Theresienstadt e (2) Marienbad. Ambas as geografias vogavam dentro de mim,
isoladas, independentes, conhecidas pela imagem maior que delas me haviam dado
os nomes de (1) Anne Sofie von Otter no álbum da Deutsche Grammophon (2007),
onde a meio-soprano canta peças compostas no campo de extermínio / gueto de
Theresienstadt e de (2) Alain Resnais autor de «O Último Ano em Marienbad»
(1961), filme do futuro onírico onde as personagens deambulam no espectro da
morte e da ausência. Unindo-me os pontos, Sebald criou um novo objecto
fazendo-me entrar na filosofia da perda inexorável da memória, da narrativa
compulsiva dos objectos, da descrição minuciosa das estações de caminho de
ferro, da fotografia real-imaginária de quem só pode regressar através do sonho
ou em pesadelo. Uma viagem fotografada-imaginada como dez anos depois o foram
«Baku, Últimos Dias» de Olivier Rolin ou «A Lebre de Olhos de Âmbar» de Edmund
de Waal.
«Austerlitz»
é um livro que une os pontos esquecidos ou as pontas soltas que navegam dentro
de nós. «Austerlitz» é, sobretudo, um livro que demonstra a importância
absoluta de permanecermos a ler (pessoas, músicas, filmes e livros).
Resumindo,
é um erro não ler este livro!
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