São cinco contos situados como sitiadas são as
personagens que os percorrem.
No seu característico modo de adensar o espectro ou a aura
das personagens, sobretudo as femininas, no interior de situações banais de tão
pouca transcendência romanesca, Lídia Jorge entrega-lhes, o corpo da
literatura.
Por altura do Natal, uma mulher a braços com a gélida
papelada de uma questão judicial observa a ternura entre dois seres. Tenta que a
angústia e o desconforto emocional que sente não os persiga, mas não resiste e
vai atrás deles. Na Praça de Londres.
Duas mulheres prendem-se irremediavelmente pela bela imagem
de uma mala de senhora que as espreita de uma montra de produtos de luxo na Rue
du Rhône, em Genève. Não resistem à leveza bravia da pele de um crocodilo da
Luisiana que cobre o objecto e a vendedora da loja não desmerece o gabarito
profissional.
Maria da Graça não consegue distanciar-se da profissão de
gerente de conta de um banco, apesar do ano estar a terminar, também da festa que a
aguarda. A Avenida EUA e o Campo Grande começam a tornar-se um deserto
habitado por fantasias e fantasmas.
Numa viagem de comboio pelas margens do rio Pó, um homem senta-se frente a uma mulher a quem ajudou a colocar a mala na bagageira. Ele refere:
«Mas o que mais interessa é que a partir das primeiras palavras logo nos
apercebemos de que tínhamos o essencial em comum – A senhora escreve histórias
de cordel, como diz, e eu redijo relatórios criminais, como disse. Sejamos
francos, duas actividades geminadas. Desde sempre que andaram juntas,
garanto-lhe, e também duas actividades que poderão cair em desuso.»
Por fim (e de uma forma rara na obra de Lídia Jorge),
«Perfume» conta a história de iniciação de um rapaz na vida adulta. História
agreste de abandono e reencontro, de solidão e consciência de como são
importantes mas pouco solidárias as dores de crescimento. «A imprecisão é uma
espécie de penumbra onde os vultos que importam ganham a sua merecida luz, com
o correr do tempo. Esse momento foi importante porque inaugurou uma era, mas
não uma data, não precisa desse luxo de calendário.»
Lídia Jorge é uma escritora que mantém o dogma literário dos seus
grandes romances na concisa voracidade das histórias breves.
jef, junho 2022
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