É difícil
classificar racionalmente este filme. Digamos que só o coração nos levará a uma
das suas múltiplas chaves emocionais. Podia dizer-se ser uma comédia, se não
fosse tudo tão trágico. Também o podíamos colocar no sector dos filmes
musicais, pois aqui também se canta desabridamente. Ou, então, levar-nos-ia a colocá-lo
junto aos filmes on the road já que
se trata de uma família em viagem pelas inóspitas (e lindas!) paisagens
iranianas junto à fronteira com a Turquia. O destino é-nos desconhecido, não
pode haver telemóveis mas existe uma cadelinha doente e o pai (Hasan Madjuni) vai
com uma perna engessada e uma latente dor de dentes. A mãe (Pantea Panahiha) tenta
não chorar e guarda um caracol do cabelo do filho mais velho (Amin Simiar) que
conduz a viatura com um semblante cada vez mais trágico. O irmão mais novo (Rayan
Sarlak) é híper-activo, canta, berra, esperneia e beija o chão que, para ele, é
qualquer coisa de sagrado.
Classificá-lo-íamos
também como filme de cowboys que percorrem o deserto, quando numa longa cena
junto ao rio, pai e filho conversam, desconversando e silenciando, e o pai
atira a segunda maçã para a água para poder partilhar o único fruto com o
filho.
Ou, então, vê-lo como uma fantasiosa
alegoria cinematográfica ao tão ali citado “deslumbramento cósmico” de «2001, Odisseia
no Espaço» (Stanley Kubrick, 1968).
Nada neste filme nos é
narrado directamente. Tudo é descrito como peças soltas para que a intuição do
espectador as junte dentro de si, como um jogo, e construa o seu próprio riso,
a sua própria amargura.
A câmara surge em modo
distante, fixa, quase alheada da beleza do que observamos. Vinda de
longe. Mesmo quando o automóvel se move, a câmara suspende a respiração face
às personagens que permanecem num risível controlo-descontrolo (histérico ou melancólico)
ao caminhar para a inevitabilidade do destino. E esse destino é também a
inevitabilidade do beco sem saída de uma sociedade madrasta. Sim, é o beco sem
saída socio-político de um país chamado Irão. Contudo, a descomunal dimensão
emocional e afectiva deste filme só nos revela a universalidade do cinema.
Há muito que não via um
filme político tão ternurento.
jef, agosto 2022
«Estrada Fora» (Jaddeh
Khaki / Hit the Road) de Panah Panahi. Com Pantea Panahiha, Hasan
Madjuni, Rayan Sarlak, Amin Simiar. Argumento: Panah Panahi. Produção: Mastaneh
Mohajer, Jafar Panahi, Panah Panahi. Fotografia: Amin Jafari. Música: Peyman
Yazdanian. Irão, 2021, Cores, 93 min.
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