É
reconfortante, muito comovente até, reconhecer o modo como a realizadora dá
espaço, tempo e serenidade à pequena alfaiataria tradicional na medina marroquina de Salé,
onde o mestre Halim (Saleh Bakri) e da sua mulher Mina (Lubna Azabal) vai
costurando com arte e afecto os mais ricos cafetãs. Há muito que não contemplávamos
esse olhar pausado e amorável sobre tecidos, fios de ouro, botões ou alinhavos.
E no centro está o olhar discreto e carinhoso, atento, quase silencioso, expectante
de Mina sobre a paixão que Halim lhe devota. Uma paixão, no entanto, distante e
temerosa, quase envergonhada, causada pela reprimida homossexualidade de Halim.
Tudo decorre com normalidade e sucesso comercial, tudo parece estar equilibrado
(e escondido) até que surge um jovem aprendiz com arte e vontade de aprender um
velho ofício prestes a desaparecer, Youssef (Ayoub Missioui). Desde logo Mina vai
olhando e apercebe-se do mudo e respeitoso entendimento entre os dois homens enquanto
resiste à evolução da sua doença fatal. Alimenta-se de tangerinas numa sequência
de quadros que adivinham as naturezas-mortas flamengas. Algumas tangerinas
apodrecem e o cafetã azul e dourado vai sendo lentamente costurado.
Uma
belíssima parábola sobre o silêncio do olhar, contada através da arte de
costurar, do brilho dos tecidos e da assunção mútua de que o amor é coisa universal.
jef,
janeiro 2023
«O Azul do Cafetã» (Le bleu du Caftan) de Maryam Touzani. Com Lubna Azabal, Saleh Bakri, Ayoub Missioui, Mounia Lamkimel, Abdelhamid Zoughi, Zakaria Atifi, Fatima Hilal, Mariam Lalouaz, Kholoud El Ouehabi, Amira Tiouli, Hanaa Laidi. Argumento: Maryam Touzani e Nabil Ayouch. Produção: Nabil Ayouch. Fotografia: Virginie Surdej. Música: Kristian Eidnes Andersen. França / Marrocos / Bélgica / Dinamarca, 2022, Cores, 118 min.
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