terça-feira, 18 de abril de 2023

Sobre o filme «O Leopardo» de Luchino Visconti, 1963
















Um filme perfeito. Acima de tudo, por ser deslumbrante.

Quando o revejo (restaurado, na versão italiana integral) vou buscar o álbum «100 Dias 100 Filmes» que a Cinemateca editou por ocasião de Lisboa, Capital da Cultura 1994 e verifico novamente com espanto que ele não consta nos primeiros vinte melhores filmes europeus. Andará lá próximo. Claro que nem quero olhar para a vintena de maravilhas que o suplantam. Releio João Bénard da Costa. Nada melhor.

Além de deslumbrante, é um filme completo, sem fim, onde descubro sempre novos quadros, novas frases, novos olhares, consoante a idade com que o vou vendo ao longo da vida.

Reparo agora que é talvez um dos poucos filmes de Visconti em que o humor é um sinal do poder ancestral, aristocrático, finamente anti-regime, anti-norma e ostensivamente anti-clerical. Nesse aspecto, poder-se-ia dizer que ao dar dinheiro ao sobrinho Don Tancredi (Alain Delon) para que vá mais comodamente alistar-se nas fileiras de Garibaldi, Don Fabrizio (Burt Lancaster) exerce um poder sarcástico sobre a força juvenil de mudança, da qual a sua sobrevivência aristocrática também beneficiará. A tal volta de 360º que o mundo tem de dar, inscrita na frase repetida.

Nada mais anti-neo-realista! Em todo o filme a supremacia do vigente suplanta a miséria do oprimido e não lhe dá qualquer laivo de esperança de mundo novo.

Sim, mas é dito que as classes vão mudar, claro! Mas simplesmente para ocuparem refastelados o posto que contestam. Nada mais humorístico que a figura de Don Calogero Sedara (Paolo Stoppa), de fraque ridículo ou dando beijos repenicados na mão da anfitriã, um burguês provinciano que cobre de propriedades o dote da filha e tenta encontrar-lhe um título nobiliárquico à força.

Um facto é que tudo muda quando Visconti filma o deslumbramento que Angelica (Claudia Cardinale) provoca nos homens ao entrar na sala do jantar oferecido às forças vivas da povoação por Don Fabrizio. Os olhares deste repetem a chama da sua eterna vontade de juventude, de poder, de sexo e sedução. Contudo, as gargalhadas de Angelica, tão pouco recomendadas, vêm terminar com o repasto e dizer que afinal vai ficar tudo na mesma.

Visconti neste filme é o mestre da sedução. Os grandes planos expressionistas de Claudia Cardinale, Burt Lancaster, Alain Delon e da prima preterida Concetta (Lucilla Morlacchi) dirão tudo. Tudo mudou (dentro filme).

A partir dali, Don Fabrizio entregará a pasta ao sobrinho Tancredi verificando que já não poderá dançar a agitada mazurca com Angelica. Apenas uma última valsa. A cena de despojamento final do Príncipe de Salina perante os noivos e o quadro “A Morte do Justo” fará sempre parte da história do cinema. Sairá Don Frabrizio de cena, ajoelhando-se perante a extrema-unção do mais pobre dos pobres sicilianos.

Será, afinal, esta cena de contrição um acto de neo-realismo ou mais uma prova de conformismo perante a inevitabilidade do fim?

Uma obra impressionista que, como um caleidoscópio, sempre encontrará um modo diferente de voltar a seduzir-me.


jef, abril 2023

«O Leopardo» (Il Gattopardo) de Luchino Visconti. Com Burt Lancaster, Claudia Cardinale, Alain Delon, Paolo Stoppa, Rina Morelli, Romolo Valli, Terence Hill, Pierre Clémenti, Lucilla Morlacchi, Giuliano Gemma, Evelyn Stewart, Ottavia Piccolo, Carlo Valenzano, Brook Fuller, Anna Maria Bottini, Lola Braccini, Marino Masé, Howard Nelson Rubien, Tina Lattanzi, Marcella Rovena, Rina De Liguoro. Argumento: Luchino Visconti, Suso Cecchi D'Amico, Pasquale Festa Campanile segundo o romance de Giuseppe Tomasi di Lampedusa. Produção: Goffredo Lombardo e Pietro Notarianni. Fotografia: Giuseppe Rotunno. Música: Nino Rota e Giuseppe Verdi. Itália / França, 1963, Cores, 185 min.

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