Um filme perfeito. Acima de tudo, por ser deslumbrante.
Quando
o revejo (restaurado, na versão italiana integral) vou buscar o álbum «100
Dias 100 Filmes» que a Cinemateca editou por ocasião de Lisboa, Capital da
Cultura 1994 e verifico novamente com espanto que ele não consta nos primeiros vinte melhores filmes
europeus. Andará lá próximo. Claro que nem quero olhar para a vintena de maravilhas
que o suplantam. Releio João Bénard da Costa. Nada melhor.
Além
de deslumbrante, é um filme completo, sem fim, onde descubro sempre novos
quadros, novas frases, novos olhares, consoante a idade com que o vou vendo ao
longo da vida.
Reparo
agora que é talvez um dos poucos filmes de Visconti em que o humor é um sinal
do poder ancestral, aristocrático, finamente anti-regime, anti-norma e
ostensivamente anti-clerical. Nesse aspecto, poder-se-ia dizer que ao dar
dinheiro ao sobrinho Don Tancredi (Alain Delon) para que vá mais comodamente
alistar-se nas fileiras de Garibaldi, Don Fabrizio (Burt Lancaster) exerce um
poder sarcástico sobre a força juvenil de mudança, da qual a sua sobrevivência aristocrática
também beneficiará. A tal volta de 360º que o mundo tem de dar, inscrita na frase repetida.
Nada
mais anti-neo-realista! Em todo o filme a supremacia do vigente suplanta a
miséria do oprimido e não lhe dá qualquer laivo de esperança de mundo novo.
Sim,
mas é dito que as classes vão mudar, claro! Mas simplesmente para ocuparem refastelados
o posto que contestam. Nada mais humorístico que a figura de Don Calogero
Sedara (Paolo Stoppa), de fraque ridículo ou dando beijos repenicados na mão da
anfitriã, um burguês provinciano que cobre de propriedades o dote da filha e tenta
encontrar-lhe um título nobiliárquico à força.
Um
facto é que tudo muda quando Visconti filma o deslumbramento que Angelica (Claudia
Cardinale) provoca nos homens ao entrar na sala do jantar oferecido às forças
vivas da povoação por Don Fabrizio. Os olhares deste repetem a chama da sua
eterna vontade de juventude, de poder, de sexo e sedução. Contudo, as
gargalhadas de Angelica, tão pouco recomendadas, vêm terminar com o repasto e
dizer que afinal vai ficar tudo na mesma.
Visconti neste filme é o mestre da sedução. Os grandes planos expressionistas de
Claudia Cardinale, Burt Lancaster, Alain Delon e da prima preterida Concetta (Lucilla
Morlacchi) dirão tudo. Tudo mudou (dentro filme).
A
partir dali, Don Fabrizio entregará a pasta ao sobrinho Tancredi verificando
que já não poderá dançar a agitada mazurca com Angelica. Apenas uma última
valsa. A cena de despojamento final do Príncipe de Salina perante os noivos e o
quadro “A Morte do Justo” fará sempre parte da história do cinema. Sairá Don
Frabrizio de cena, ajoelhando-se perante a extrema-unção do mais pobre dos
pobres sicilianos.
Será,
afinal, esta cena de contrição um acto de neo-realismo ou mais uma prova de conformismo perante
a inevitabilidade do fim?
Uma
obra impressionista que, como um caleidoscópio, sempre encontrará um modo diferente de voltar a seduzir-me.
jef, abril 2023
«O
Leopardo» (Il Gattopardo) de Luchino Visconti. Com Burt
Lancaster, Claudia Cardinale, Alain Delon, Paolo Stoppa, Rina Morelli, Romolo
Valli, Terence Hill, Pierre Clémenti, Lucilla Morlacchi, Giuliano Gemma, Evelyn
Stewart, Ottavia Piccolo, Carlo Valenzano, Brook Fuller, Anna Maria Bottini, Lola
Braccini, Marino Masé, Howard Nelson Rubien, Tina Lattanzi, Marcella Rovena, Rina
De Liguoro. Argumento: Luchino Visconti, Suso Cecchi D'Amico, Pasquale Festa
Campanile segundo o romance de Giuseppe Tomasi di Lampedusa. Produção: Goffredo
Lombardo e Pietro Notarianni. Fotografia: Giuseppe Rotunno. Música: Nino Rota e
Giuseppe Verdi. Itália / França, 1963, Cores, 185 min.
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