Ray
Bradbury não é propriamente um cronista do futuro. Ele move-se no seu-nosso presente-passado
com a alegria e a consciência de quem intui que a imaginação, o humor, a
tolerância, a melancolia, o medo ou o sarcasmo são as fórmulas da humanidade onde
se deve apoiar para poder escrever, escrever, escrever e não morrer. Tal como o
empregado de mesa parisiense Laurent lhe explicou que dançava, dançava, dançava
pela noite fora e não morria. A explicação é dada por Ray Bradbury no início
destes contos maravilhosos.
Há
uma sensação de humana vitalidade nas narrativas, uma quase declaração
apologética sobre a política, a sociedade, a tecnologia, a família ou o amor. É
aqui que talvez se afaste da imaginação frenética de Júlio Verne ou Edgar Allan
Poe. A sua, talvez ainda mais frenética e delirante, derive de uma generosa
capacidade de olhar o interior de cada uma das pessoas (à John Streinbeck).
Nesse exercício, o mundo cenográfico de feiras de aberrações, circos, galáxias,
sistemas planetários, foguetões, comandos à distância e inteligência artificial
transforma a fantasia num certo romantismo quase “neo-realista” ou "para-realista".
Como
resumo ou epígrafe, existe no livro uma frase que, ao referir-se à relação dos
adultos com o mundo infantil, poderá também definir a vocação literária de Ray
Bradbury.
«A
civilização adulta passava e voltava a passar pelas crianças atarefadas,
invejosa daquela energia furiosa e selvagem, tolerantemente divertida com a sua
desenvoltura, desejosa de se juntar a elas.»
(só que o conto não acaba lá muito bem…)
jef,
abril 2023
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